Coreia do Norte contorna sanções com negócios de pesca e empresas fantasma em Moçambique

CNN publica investigação que revela esquemas empresariais de Pyongyang em Moçambique. Uma das principais preocupações da comunidade internacional é que os milhões conseguidos sejam utilizados no financiamento do programa nuclear.

Foto
A pesca é um dos negócios mais importantes em Moçambique Manuel Roberto

Moçambique é um dos países utilizados pela Coreia do Norte para contornar as sanções económicas impostas pela ONU (Organização das Nações Unidas), segundo um trabalho de investigação feito pela CNN ao longo de meses e que foi publicado neste sábado. Acordos de cooperação militar, negócios de pesca e empresas fantasma são alguns dos esquemas revelados por aquela cadeia de televisão norte-americana.  

Um dos primeiros exemplos moçambicanos é o importante negócio da pesca. Escondidos no porto de Maputo, a CNN encontrou as traineiras Susan 1 e Susan 2. Aparentam ser meros barcos de pesca mas escondem o seu verdadeiro propósito: furar as sanções económicas e levar dinheiro para a Coreia do Norte. O interesse do regime de Pyongyang nos dois barcos enferrujados, tripulados por norte-coreanos, pode parecer estranho ao início, mas a pesca é um dos negócios mais lucrativos em Moçambique, afirmam os autores do trabalho.

Face às crescentes sanções, a Coreia do Norte precisa de dinheiro e os barcos parecem ser um instrumento apropriado, fáceis de deslocar e de dissimular. A CNN descobriu que o navio Susan 1 estava anteriormente registado como sendo norte-coreano, mas opera agora com a bandeira da Namíbia, outro dos países implicados no incumprimento das sanções à Coreia do Norte, segundo outra investigação da CNN.

Estes negócios de pesca são um dos exemplos de comércio ilícito entre aquele país asiático e Moçambique. Mas vai além disso: o canal de televisão norte-americano descobriu uma rede secreta de empresas de fachada, cooperações militares e formação de tropas de elite entre a Coreia do Norte e Moçambique que, segundo investigadores das Nações Unidas, são uma clara violação das sanções internacionais aplicadas ao regime norte-coreano. Ainda assim, Álvaro O’da Silva, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, garante que o país não está a quebrar as sanções.

A CNN, porém, insiste. Estes contratos ilegais podem estar orçados em milhões de dólares – que são depois canalizados para a Coreia do Norte através de diplomatas do país no estrangeiro. Os dois países estão separados por mais de 11 mil quilómetros.   

África sob escrutínio

Com sanções económicas internacionais aplicadas por grande parte dos países, uma das principais preocupações quanto a negócios deste género é que o dinheiro recolhido possa ser utilizado para financiar o programa nuclear de Pyongyang. Tal como explica o investigador das Nações Unidas Hugh Griffiths, ouvido pela CNN: “O dinheiro estrangeiro e a receita gerada por toda esta actividade militar pode ser usado para financiar os programas nucleares e missilísticos da DPRK [sigla inglesa para República Popular Democrática da Coreia]”.

Foto
Kim Jong-un assiste ao lançamento de um míssil KCNA/REUTERS

A CNN teve ainda acesso a partes de um relatório confidencial não publicado das Nações Unidas que refere que, entre Janeiro e Setembro de 2017, a Coreia do Norte obteve 200 milhões de dólares (cerca de 160 milhões de euros) ao exportar bens (como o carvão) e serviços, proibido ao abrigo das sanções. O relatório mostra que a Coreia do Norte está a contorná-las não só ao explorar cadeias de fornecimento de produtos petrolíferos, mas também através de offshores e de cúmplices norte-coreanos residentes no estrangeiro. Os jornalistas da CNN descobriram ainda o local onde se situava a sede de uma destas empresas fantasma: a Haegumgang, que canalizou milhões de dólares em contratos militares para a Coreia do Norte e está agora abandonada.

As Nações Unidas já tinham notado que existia uma ligação militar entre os dois países, mas sabe-se agora que essa ligação é mais profunda do que se pensava inicialmente. Duas fontes militares de Moçambique contaram à CNN que existem norte-coreanos a serem treinados numa base militar em Maputo, há pelo menos dois anos; a isto junta-se uma longa lista de acordos de cooperação militar, banidos desde 2006 ao abrigo das sanções.

Ainda que a forte ligação entre a Coreia do Norte e a China seja uma das mais divulgadas, os investigadores dos Estados Unidos e das Nações Unidas estão agora a focar-se nas ligações entre o regime de Pyongyang e alguns países africanos; 11 deles estão a ser investigados.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários