Ele disse "Vou ali e já venho" e deu a volta ao mundo em 19 meses

Os Meus Descobrimentos – Volta ao Mundo em Couchsurfing é um verdadeiro manual de instruções para quem já pensou deixar tudo para trás e nunca deixou.

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“Parabéns João. Quem me dera ir! Mas olha, envia-nos um postal de cada país por onde passares!” João Aguiar despediu-se da empresa de desenho de microships onde trabalhava, alegando uma volta ao mundo. Mas não cumpriu. Não enviou ao chefe (ex-chefe) um postal de cada um dos 25 países dos cinco continentes por onde passou. Mas deu a volta ao mundo.

Estávamos — estávamos todos — no dia 5 de Fevereiro de 2008. João não se despediu apenas da empresa. Despediu-se dos amigos, da namorada de então (“Constatámos que eu queria fazer uma coisa e que ela queria fazer outra”), artilhou uma mochila de 25 quilos e saiu porta fora às sete da manhã, enquanto ouvia a mãe dar-lhe um recado como se o filho fosse ali e já viesse. “Vejo mesmo que vais sair. Um beijinho. Boa viagem, meu filho.”

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João encontrou a sua “porta de saída para o mundo”

“Lembrei-me que era o primeiro dia do resto da minha vida, enquanto me despedia de casa, descia o elevador e subia depois a minha rua, numa manhã cinzenta que o Carnaval de 2008 reservara para Lisboa. No metro sentia-me estranho e via as pessoas assim também. Talvez por estar noutra direcção, pensamento ou frequência”, escreve João no primeiro capítulo (#1 Princípio) do livro Os Meus Descobrimentos – Volta ao Mundo em Couchsurfing (edição PRC Livros), 470 páginas, 92 crónicas de viagens, 245 fotografias despretensiosas, 27 mapas, um verdadeiro manual de instruções para quem já pensou deixar tudo para trás e nunca deixou.

“Foi um estado de energia e vontade inexplicáveis que em mim conspiraram para que tudo isto acontecesse”, recorda João, que à Fugas fala de uma “conjugação de factores” que o levaram a adiar, pelo menos adiar, a tradicional conjugação “trabalhar, casar, comprar casa, pagar prestações...” “E, de repente, tudo conspirou em mim para que fosse assim e não de outro modo.” Planeou, conspirou, despediu-se. E quando deu por ela estava a caminhar na berma da A2 sobre o alcatrão, “de mochilão às costas, com o semblante avolumado pela barba e com um boné de abas caídas atrás, à explorador do deserto”, abordando os condutores à procura da sua “porta de saída para o mundo”.

“Era ir e até Marrocos e se correr bem...”, anota João, que “tinha umas luzes” do percurso. Foi “etapa a etapa” e “sem grandes expectativas” — mas com um seguro dinamarquês “bem escolhido, ajustado ao que se vai viver durante a viagem” com validade de um ano. “E depois logo se vê...”

João, formado em Engenharia pelo Instituto Superior Técnico em Lisboa (concluiu cursos de escrita criativa e de gestão, trabalhou em rádio e imprensa escrita), dedica o livro às pessoas que conheceu em viagem, também eles “protagonistas”. “São, à vontade, centenas, talvez até milhares. E dezenas de amigos que fiz durante a viagem”, lembra o viajante, que grande parte das vezes adoptou os sistemas de couchsurfing (“quando somos alojados por aquela família, naquela cidade, guardamos isso para sempre”) e de boleias enquanto progredia no seu traçado mais ou menos improvisado. “O conhecimento do mundo muda. Viajar é viver as coisas sem intermediários, conhecer o mundo como um todo. Viajar destrói preconceitos, tem esse condão. Estar lá é sempre outra coisa”, sublinha, João, que fala inglês, francês e espanhol (mais algumas línguas locais e algo de japonês que fez questão de aprender on the road).

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"Quando somos alojados por aquela família, naquela cidade, guardamos isso para sempre”

E aconteceu-lhe um pouco de tudo — desde a boleia entre Lisboa e Dacar, passando por um resgate de helicóptero na África do Sul (“Tinha as botas calçadas, dei um salto, caí mal e torci o pé; fiz um mês e meio de fisioterapia lá”), por um acampamento na Amazónia peruana, por retiros espirituais na Argentina e na Austrália e por trabalhos de voluntariado nas favelas do Brasil ou num orfanato em Moçambique. “Vamos de espírito aberto ou estamos dispostos a trabalhá-lo bastante”, diz João. “Não ter preconceitos” é essencial.

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O resgate de helicóptero na África do Sul

Outras dicas: não gastar muito na estadia; levar uma máquina fotográfica (no caso uma Canon) com qualidade e portabilidade (e deixando online as melhores fotos pelo caminho); libertar algum peso da mochila pelo caminho (porque “podemos comprar quase tudo pelo caminho”); ter cuidado com o calçado (“ocupa, pesa e, se não for o par acertado, pode estragar uma viagem”); levar uma pequena farmácia (“ler uma bula em árabe pode ser um problema”).

João gastou cerca de 11 mil euros — tudo incluído. Orçamento médio diário de 20 euros.

Completam o livro Os Meus Descobrimentos um podcast e um documentário, bem como a conta de Instagram do explorador. O livro tem ainda uma espécie de guia relacionado com cada capítulo. “São comidas que fui provando, músicas que me foram recomendando, filmes relacionados com os locais que visitei. São ponteiros para quem quiser saber mais.”

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