Este Porto não é para todos

O Porto tem mais homens, mulheres e crianças a dormir na rua. E a morrer na rua.

Uma cidade não é apenas um grupo de pessoas que ocupam o mesmo território. Uma cidade é um conjunto de interacções e relações sociais. As relações sociais constroem-se em função dos recursos que possuímos. Recursos escolares, culturais, sociais, económicos e simbólicos. A oportunidade de ter acesso a estes capitais inicia-se no processo de socialização com a família, a escola, o Estado, a influência da igreja. O lugar valorizado ou desprestigiado que ocupamos na estrutura social depende muito da igualdade de oportunidades para ter acesso a estes recursos.

Muitas vezes, as relações sociais são de poder, de domínio, de opressão e de exploração de uns sobre os outros, porque as políticas sociais e o funcionamento das instituições do Estado não garantiram, à partida e de forma universal, esta igualdade de oportunidades e uma justa redistribuição da riqueza produzida. Uma cidade não pode ser analisada e compreendida só na perspectiva económica. Não me interessa nem valorizo o crescimento da actividade turística no Porto se isso implica escorraçar os mais humildes das suas casas, estilhaçar vínculos e raízes de sociabilidade, matar laços de pertença, destruir memórias, hábitos e património de vizinhança.

Este modelo de fazer cidade é sintomático de uma opção política. Defender os poderosos e os seus interesses de acumulação capitalista e esmagar os mais frágeis, os mais desprovidos de trunfos e recursos, os mais vulneráveis que assistem com pouca consciência de classe à suspensão e limitação de direitos fundamentais. Direito a uma vida com condições mínimas de dignidade, onde o trabalho digno, uma habitação adequada e o acesso a serviços e equipamentos públicos de qualidade sejam uma garantia.

O papel do Estado e das autarquias aqui é imprescindível. O discurso da falta de recursos do Estado e a justificação dos serviços públicos mínimos porque é isto que o crescimento da economia permite neste momento é pura treta. Mais liberdade económica, mais espírito empresarial e mais criação de riqueza só têm tocado positivamente a vida dos que já eram privilegiados. Não é simplista nem redutor considerar que os ricos estão mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. O Porto tem mais homens, mulheres e crianças a dormir na rua. E a morrer na rua. O Porto ganha prémios de destino turístico, mas não tem políticas públicas robustas e consistentes para ganhar o prémio da defesa dos direitos humanos.

Nos postais ilustrados, a cidade tenta demonstrar que tem dinâmicas inclusivas, inovadoras, sustentáveis, criativas, conectadas. Esta narrativa falsa e enganadora faz a felicidade das empresas e dos promotores imobiliários que em Março vão despejar o meu utente Jorge Luís de um quarto de pensão para nesta hospedaria reles construir um hotel de luxo.

Não sou contra a revitalização e a modernização do espaço urbano, mas esta reabilitação tem de ser acompanhada de justiça e prosperidade para todos. O esforço municipal de fazer do Porto uma cidade criativa parte do pressuposto de que atrair talento e tecnologia são uma alavanca para atrair capital, investimento e criar postos de trabalho. A arte, a cultura e a criatividade podem ser geradores de muitos processos de reabilitação urbana, claro que sim, mas isso não pode significar vender o território que é de todos e pilar estruturante da identidade colectiva. A abertura de novos espaços de convívio e de consumo não pode expulsar os que cá nasceram. Os recursos culturais e económicos da população residente têm de ser respeitados e não acentuar ainda mais desigualdades sociais já existentes nestes territórios intervencionados.

A cidade é um espaço de construção histórica e cultural e a coesão social não se solidifica a colocar uns contra os outros. Velhos contra novos, residentes contra estrangeiros, académicos contra os menos escolarizados, empregados contra desempregados. Infelizmente, o nosso Porto está à venda. Este Porto não é mesmo para todos.

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