O MP, a independência e as matrioskas
Tendo em conta a gravidade das suspeitas, não se percebe por que é que os juízes em causa se mantêm em funções, correndo o risco de as decisões tomadas entretanto serem contestadas.
O Ministério Público parece viver uma fase de alívio e de maior independência, nos antípodas dos anos José Sócrates/Pinto Monteiro, aos quais magistrados e antigos dirigentes do sindicato da classe atribuíram a intenção de condicionar o exercício da justiça no país e os “mais negros anos do Ministério Público democrático”. Investigar e acusar um ex-primeiro-ministro ou um ministro, um ex-vice-presidente de outro Estado, procuradores ou juízes, banqueiros, gestores ou importantes dirigentes desportivos é uma prova inequívoca dessa independência face ao poder político. Ainda bem. A democracia e o Estado de direito dependem disso.
Precisamos de acreditar, e precisamos que nos demonstrem, que somos todos iguais perante a Justiça, que as investigações ou sentenças não variam em função do peso social e económico do réu. Precisamos também de saber se há alguém que em nome do Estado se aproveita das suas funções públicas para extrair proveito próprio. E queremos acreditar que a Justiça fará o favor de conceder a todos um julgamento justo e num prazo razoável. O que nem sempre acontece. A morosidade judicial portuguesa contrasta com a rapidez das fugas de informação, uma batalha perdida, ou com o rol de arguidos que todos os dias são constituídos, numa sucessão de processos para os quais já não há memória que chegue, que se integram uns nos outros como matrioskas, como acontece com as operações Lex e Rota do Atlântico.
O que operações como a primeira, ou como a Fizz, vêm demonstrar agora é que a própria magistratura não está imune, e que procuradores e juízes são suspeitos da prática de crimes de corrupção, branqueamento de capitais ou tráfico de influência. Sobre isso, a presidente da Associação Sindical Portuguesa de Juízes salienta a igualdade dos cidadãos perante a lei e a coordenadora do Observatório Permanente da Justiça a percepção pública de que a justiça não é selectiva e que assim a mesma se credibiliza. Sem dúvida. Mas, tendo em conta a gravidade das suspeitas, só não se percebe por que é que os juízes em causa se mantêm em funções, correndo o risco de as decisões tomadas entretanto serem contestadas. O Conselho Superior da Magistratura só o poderá fazer quando o Supremo Tribunal de Justiça lhe comunicar formalmente a constituição dos dois juízes como arguidos. E isso ainda não aconteceu, apesar de o presidente do segundo presidir por inerência ao primeiro.