A música experimental da Cortina de Ferro no Goethe Institut
Conversas, concertos, palestras e filmes: uma conferência de dois dias sobre a música experimental dos tempos do socialismo na Europa de Leste, entre 1957 e 1989. Acontece a 15 e 16 de Fevereiro.
O legado da música experimental produzida no Bloco de Leste até à queda do Muro de Berlim foi o foco do projecto Unearthing the Music: Creative Sound and Experimentation under European Totalitarianism. Ao longo de um ano e dois meses, esta iniciativa procurou música feita atrás da Cortina de Ferro entre 1957 e 1989, ano em que caiu o Muro de Berlim. Com financiamento do programa Europe for Citizens — European Remembrance, foi levado a cabo pela OUT.RA, a associação que organiza o Festival de Música Exploratória do Barreiro, com parceria da revista de avant-garde britânica The Wire. O resultado pode ser visto numa conferência que, a 15 e 16 de Fevereiro, decorre no Goethe Institut, em Lisboa. E, a partir de Março, num arquivo online tipo Wikipédia. Além disso, sairá, na própria conferência, também um livro de textos e entrevistas de nomes abordados no projecto. E, lá mais para Março ou Abril, uma compilação – que se espera “ser a primeira de várias” – com temas inéditos de artistas alemães, polacos, ex-jugoslavos e húngaros.
Rui Pedro Dâmaso, presidente da direcção da associação, explica ao Ípsilon que havia “um fascínio pelo que se passava para lá da cortina”. A associação concorreu ao financiamento, conseguiu-o, e foi “descobrir pessoas que tivessem algum trabalho relevante feito no âmbito desta temática, como coleccionadores ou jornalistas”. Foi assim que juntou uma equipa de seis pessoas, com músicos, jornalistas e académicos de Leste (e não só). Além deles, também houve contributos voluntários.
Assim, foi recolhido material que inclui “música, vídeo, artigos de jornal, fotografias, ensaios de cariz mais ou menos académico e escrita feita sobre vários temas”. Não se quer ficar por aqui. “Um dos nossos colegas disse que era um projecto para uma vida inteira”, confessa Rodrigo. Adianta ainda que se está “à procura de financiamento para continuar”.
Dâmaso defende que, apesar de se poder achar que os países eram todos iguais, isso é uma simplificação. “Havia diferenças e percebe-se claramente que havia países para onde os músicos gostavam de ir porque tinham mais liberdade. Em determinados períodos, na Hungria estava-se mais à vontade em relação às artes do que na União Soviética, na Bulgária e na Roménia”, exemplifica. O projecto queria, diz, “iluminar o que era de facto fazer música que não era aprovada, não era bem vista, não era incentivada. Se calhar havia pouco público, mas juntava todos os quadrantes da sociedade e pessoas desconfortáveis com o regime. Em última análise, era uma questão de liberdade de expressão”, adiciona.
Na conferência estarão “pessoas que de facto viveram esses períodos”, comenta o organizador. Haverá, por exemplo, um concerto da dupla Ornament & Verbrechen, dos irmãos Ronald e Robert Lippok, que depois formaram o trio To Rococo Rot. Estará lá também Pavla Jonssonová, investigadora checa que faz parte da banda punk Zuby Nehty desde os anos 1980, o russo Alexai Borisov, pioneiro da electrónica e da new wave russa e um dos membros da equipa do projecto que vai falar e tocar, bem como Chris Cutler, percussionista britânico que lançou alguma da música dos sítios por onde viajou na altura do Bloco de Leste pela editora Points East, que também vai tocar, ou Chris Bohn, editor da The Wire. O programa completo, que inclui também quatro filmes, como o documentário East Punk Memories, de 2012, em que a francesa Lucile Chaufour foca punks húngaros dos anos 1980, está disponível online. A entrada é livre.