Uma zona euro de credores e devedores?
Não é expectável que os países devedores consigam algum dia reduzir os respectivos passivos externos para níveis sustentáveis.
É interessante, e útil, olhar para algumas séries históricas de variáveis macroeconómicas que ilustram o que ocorre na zona euro. É certo que as estatísticas podem ter várias leituras e, tal como na figura abaixo, o efeito depende do ano base escolhido. No entanto, essas variáveis podem contar uma história.
Uma das maiores divergências entre países como a Alemanha e Portugal reflecte-se na posição de investimento internacional líquida, estatística macroeconómica que é uma medida lata das obrigações financeiras (ou seja, da dívida líquida) do país face ao exterior.
A figura revela que, entre 1996 e 2016, países como a Alemanha e a Holanda tornaram-se países credores do resto do mundo, em particular do resto da zona euro, e os países da periferia tornaram-se progressivamente mais devedores.
E é surpreendente por mais uma razão. Devido a um efeito do tipo histerese, que resulta dos juros e dividendos que remuneram os activos detidos por não residentes serem superiores aos auferidos por residentes sobre os activos que possuem no exterior (balança de rendimentos negativa), não obstante a melhoria do saldo da balança corrente e de capital dos países periféricos observada desde 2008, a posição de investimento internacional líquida de Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda continua muito negativa, tendo-se deteriorado no caso destes últimos dois países.
A política de austeridade, acompanhada por uma política monetária acomodatícia sem precedentes, permitiu diminuir ligeiramente os passivos externos líquidos de Portugal e Espanha. Na Grécia, a posição de investimento internacional continua a degradar-se. A Irlanda é um caso à parte porque a sua zona franca torna as suas estatísticas dificilmente interpretáveis. Mas provavelmente, dos países periféricos, é o país com maiores desequilíbrios externos.
No presente, as taxas de juro da dívida soberana dos países periféricos e a diferença de taxas de juro da dívida pública de países periféricos e de países como a Alemanha (spreads) continuam a cair, com reflexos positivos nas contas externas desses países, o que tende a contribuir para a redução dos respectivos passivos externos.
A normalização da política monetária alteraria essa situação, pois resultaria previsivelmente num aumento tanto dos spreads como das próprias taxas de juro. No longo prazo, estes dois efeitos afectariam negativamente a despesa líquida do país com juros e dividendos pagos a não residentes e, por conseguinte, a trajectória da dívida externa e da posição de investimento internacional do país.
No curto e médio prazo, como uma parte significativa da dívida externa portuguesa, em particular, a componente de dívida pública, foi contraída a taxas de juro substancialmente mais elevadas do que as que se observam no presente, a despesa líquida do país com juros e dividendos a não residentes ainda continuaria a descer.
Mas os desequilíbrios são demasiado elevados, mesmo com o programa de expansão quantitativa. Não é, por isso, expectável que os países devedores consigam algum dia reduzir os respectivos passivos externos para níveis sustentáveis. A reestruturação de dívida continua na ordem do dia.
O risco para a zona euro é este: tornar-se, de forma permanente, num clube de credores e de devedores, onde os credores “mandam” nos devedores.