A diáspora brasileira

Metade dos brasileiros deixariam o país se pudessem, diz pesquisa.

A foto é comum no Facebook e em outras redes sociais. A família e amigos se despedem do filho, da filha ou do casal ainda de jovens, gente que busca uma nova vida no exterior. Pode ter sido uma foto tomada em algum aeroporto internacional do Brasil, na maioria das vezes em Guarulhos ou no Galeão. Mas pode ter sido tomada também em Belo Horizonte, Recife, Salvador, etc. O que está acontecendo e por que isso não é um fato isolado?

A questão é: o Brasil não tem horizontes para uma legião de jovens que acha que a vida é mais do que esperar indefinidamente por uma melhora que nunca acontece ou então fazer concurso público.

Aliás, no Brasil a febre de fazer concurso público criou uma categoria especial com milhões de brasileiros, os chamados “concurseiros”, pessoas com um foco único: passar em concurso público com o objetivo de ter segurança e estabilidade vitalícia e salários muito acima do mercado privado, enfim de tornar-se parte de uma casta.

O Brasil é enorme e na mesma proporção socialmente desigual. Algo como um quarto da população do Brasil entre 15 e 24 anos não consegue achar emprego, não estuda e que inclusive desistiu de procurar emprego. Esses jovens compõem o grupo que demógrafos e economistas resolveram chamar de “nem-nem-nem”. No Rio de Janeiro esse é sem dúvida o exército de reserva de mão de obra do narcotráfico, o qual fez quase mil favelas como seu território naquela cidade, onde o estado não entra e onde os moradores são seus reféns.

Uma pesquisa nacional realizada no mês de dezembro pelo Instituto Paraná Pesquisas revelou que 49% dos brasileiros deixariam o Brasil se pudessem, revelou ainda que a região que mais tem jovens com disposição para deixar o país é o Sudeste, onde 52,4% do total desejam morar no exterior; a região Sul, com 49,3%, Norte e Centro-Oeste, 46,0% e Nordeste, 45,1%.

Enquanto aqui eram tempos de austeridade, o brasileiro experimentou uma era extraordinariamente rica em termos de esperanças e começou a acreditar que o Brasil deixava de ser “o país do futuro”. De fato, a primeira década deste século foram tempos de vacas gordas, tempos turbinados pela demanda da economia chinesa, que no seu crescimento de dois dígitos anuais, levava do Brasil uma monumental exportação de minérios e produtos de agronegócios.

No mesmo tempo que o mundo assistia ao início da Grande Crise de 2008, o brasileiro seguia como quem tinha ganhado na loteria. Nenhuma liderança política alertou para a conveniência de reformas estruturais que seriam necessárias para a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconómico. Na média os brasileiros estavam contentes, anestesiados e iludidos com o fato de ser os hospedeiros dos mais conspícuos megaeventos do planeta, a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. A viver uma modernização da fórmula pão-e-circo, o brasileiro não viu que a janela de oportunidades estava a fechar.

Fechou e lacrou. O sonho acabou. E quem quiser saber o que isso representa é só olhar para o desastre que é hoje o estado do Rio e ao que restou à Cidade Maravilhosa. O Rio é hoje o que o Brasil será em 2018 e além.

O Brasil tem na verdade um percentual pequeno de brasileiros vivendo no exterior. Dos 207 milhões, apenas três milhões de brasileiros estão a viver no exterior. Se comparado à Portugal, que tem quase 10% vivendo no exterior, é pouco.

Mas a questão é que quem procura hoje a saída para o exterior são os mais qualificados e de maior renda. OK. Existe brasileiro fazendo doutoramento no exterior dirigindo Uber ou como ajudante de cozinha. Mas o que falta em renda e bens para essas pessoas é compensado pela coragem de se lançar pelo mundo.

Na perspetiva do manto da incerteza que vai cobrir o futuro do Brasil até o virar desta década — a qual vai se tornar conhecida como “década perdida” pelas futuras gerações — já há estimativa de que sigam para o exterior algo como meio milhão de brasileiros.

É gente que faz e vai fazer falta sim ao Brasil. São cientistas, engenheiros, Ph.D.’s, investidores, empreendedores, acadêmicos, sobretudo jovens que não querem desperdiçar o seu enorme potencial de fazer acontecer. É gente que tem mais sonhos e ousadia do que ficar esperando por abertura de concurso público ou vaga em estatal e por mudanças que nunca acontecem.

O Brasil tem algo como 10% de famílias classe média alta — uma população duas vezes a de Portugal! — que descobriu que vale a pena bancar a educação superior dos filhos no exterior enviando-os para os EUA, Reino Unido, Austrália, Espanha, França, Itália, Alemanha.  Claro que Portugal é agora um destino fortemente considerado. Um bom indicador é que brasileiros já não contam mais anedotas sobre portugueses. Justamente o contrário.

No fundo toda diáspora tem um lado bom. As pessoas da diáspora são como aquelas que não dão ouvidos ao Velho do Restelo. São exatamente as que aprendem a cultivar uma visão mais arrojada e ousada em termos de projetos de vida e busca de realizações e que, no contexto de viver em diferentes culturas, assumem uma perspetiva cosmopolita e mais iluminista, tão necessária nestes tempos de farsantes populistas e fake news.

Boa viagem e boa sorte, rapazes e raparigas da diáspora brasileira e que a mensagem de Fernando Pessoa os inspire: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor.”

Ricardo Neves é luso-brasileiro e vive em Lisboa

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