Tatuagens veganas: é fácil fazer uma em Portugal?
Para terem selo vegano, as tatuagens têm de ser feitas com materiais sem produtos de origem ou testados em animais. E isto vai além das tintas, avisam os tatuadores que levaram os princípios das suas escolhas diárias para dentro dos seus estúdios — e até aos clientes.
Mariana Costa demora segundos a concordar em fazer mais uma tatuagem. Salta para cima da cadeira, inspira fundo — “a próxima é sempre a que custa mais”, ri-se — e confirma a escolha final, um dos bonecos mais antigos do irmão, o tatuador Nuno Costah, que desta vez se debruça no seu tornozelo. Pelo resto da perna acima, “já é tipo um zoo”: aves e insectos coloridos, “muito ao estilo naife, quase infantil”, habitam na pele de Bubblemari, a tatuadora de 22 anos que desde a maioridade decidiu ser vegetariana.
No Out da Box Tattoo, onde trabalha com o irmão, só Bruno Mendes, o outro tatuador residente, é que não é vegetariano. Mas mesmo ele trabalha com as tintas e restantes materiais sem produtos de origem animal ou testados em animais, usados no estúdio da Maia “para todos os clientes, assumidamente veganos ou não”.
Há cinco anos que tomaram a decisão de ser um estúdio vegan friendly, apesar de grande parte de quem os procura “não mostrar este tipo de preocupações”. “Diria que apenas cerca de 20 por cento dos nossos clientes são veganos, ou pelo menos demonstram algum tipo de cuidado ou procuram informar-se”, estima Nuno Costa, 35 anos. “Duvido que as outras pessoas saibam que as tintas ou as lâminas de depilação podem conter glicerina de origem animal, por exemplo”, acredita.
A PETA, uma organização não-governamental dedicada aos direitos dos animais, alerta para a possível existência, nas tintas não veganas, de carvão obtido a partir de ossos de animais, glicerina de gordura animal, gelatina feita a partir de cascos ou goma laca, oriunda de insectos. Aconselham, por isso, opções alternativas de marcas como a Eternal, StarBrite, SkinCandy e Stable Color.
No Out da Box, as prateleiras estão repletas de produtos da World Famous Tattoo Ink, uma tinta que se anuncia “não tóxica e livre de crueldade animal”. É esta que Costah está agora a escolher para tatuar a irmã. “Já tenho cinco anos de experiência com ela, já consigo saber como resulta na pele das pessoas e vejo que as cores não desaparecem”, diz, apontando para um pintainho que desenhou na parte da frente do pulso, quando deixou de comer carne. “Em memória de todas as galinhas que comi”, ri-se.
O artista, que começou na street art, chegou a experimentar outras tintas que, na altura, “quando não se falava muito nisto”, não se publicitavam como veganas. “Agora o mais provável é anunciarem na embalagem, e a letras gigantes”, brinca.
É isso que faz o creme de cicatrização, da Balm Tattoo, que os tatuadores aconselham. Além de vegano, é também maioritariamente produzido a partir de ingredientes naturais (uma coisa não é, por regra, sinónimo da outra, alerta). “Resulta muito bem e normalmente as pessoas optam por ele, em vez do Bepanthene, por exemplo, um dos cremes mais comuns para a cicatrização de tatuagens, mas que não é vegano”, comenta.
Foi o que escolheu Rosa Gavina, 22 anos, quando fez a sua terceira tatuagem, a primeira desde que se tornou vegana. Decidiu que queria fazer uma para comemorar o primeiro aniversário sem consumir produtos de origem animal e aí veio a pergunta, que normalmente surge quando se encontra frente a frente com qualquer rótulo: “Será que as tintas são testadas em animais?”. Procurou estúdios perto de Vila do Conde, onde mora, não encontrou. Alargou a pesquisa e chegou ao Out da Box, a cerca de 16 quilómetros da baixa do Porto. “Gostei mais do creme de cura desta vez do que da última”, garante. Esta semana voltou ao estúdio para acompanhar uma amiga, não vegana.
Já Beatriz Baptista, 33 anos, optou por fazer os seus próprios cremes, recorrendo apenas a manteiga de cacau e óleo de coco. Tatuou duas andorinhas, baseadas no estilo do artista Bordallo Pinheiro, durante uma das sessões em que os lucros revertiam a favor de uma associação pelos direitos dos animais (o estúdio já organizou várias). Escreveu depois um artigo sobre tatuagens veganas no blog Sociedade Vegan, que desenvolve desde 2011. Desde essa publicação, afiança Nuno, “começou a aparecer no estúdio mais gente vegana”.
E além das tintas?
Beatriz diz que normalmente não recebe pedidos de conselhos sobre tatuagens, e os que recebe não vão além das tintas a usar. Andreia Ribeiro, tatuadora e vegana, concorda: “As pessoas na maior parte das vezes só se preocupam com as tintas”. A artista de Sintra acredita que “não é fácil encontrar estúdios de tatuagens 100% veganos em Portugal”. Apesar de muitos usarem tintas que se classificam como tal, a verdade é que por vezes a vaselina, o sabão, o líquido stencil e o próprio papel stencil podem não o ser. O ideal, avisa, é perguntar sempre primeiro. Andreia X relembra uma das "principais regras" do veganismo: mesmo que nem imagines que pode conter ingredientes oriundos de animais, "provavelmente terá".
Tatuadora desde 2003, só em 2006 é que começou a ver à venda, em Portugal, as primeiras tintas sem glicerina animal, componente que é normalmente usada como solvente. “Agora é tão fácil arranjar alternativas sem ingredientes de origem animal ou testados em animais como as outras. Aliás, em alguns casos há empresas que fazem revenda de materiais que nem sabem que são veganos”, diz. “Os próprios tatuadores, se não forem veganos, também não vão ter essa sensibilidade e procurar saber”, acredita. No espaço de Andreia, em Sintra, as tatuagens são veganas do início ao fim, garante, apesar de só estimar que um terço dos seus clientes o sejam.
No novo estúdio a solo que vai abrir em Fevereiro, na Trindade, em plena baixa portuense, mesmo “em frente ao graffitto do Hazul e Mr.Dheo”, Costah pretende oferecer o mesmo serviço. E explica o porquê: “Eu estive a tatuar numa convenção na Alemanha, com 300 tatuadores, e o buffet era todo vegano, apesar de, obviamente, aqueles 300 tatuadores não o serem”. A explicação dos responsáveis pela organização do evento “fez todo o sentido”, afirma. “É muito mais fácil assim porque algo que é vegano serve para toda a gente e o contrário não, simples.”
Costah acredita que usar estes produtos no novo estúdio, com uma localização mais central, é uma vantagem, uma vez que assim a porta fica aberta para toda a gente. E depois, à saída, “é uma opção de cada um comer e usar o que quiser", atira.