Duplo Espaço: o atelier de Horácio Frutuoso

Laura Sequeira Falé gosta de ateliers e mostra-os no blogue Duplo Espaço. Desta vez, visitou o artista Horácio Frutuoso

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Laura Sequeira Falé/Duplo Espaço

O Horácio Frutuoso (Porto, 1991) vive em Lisboa há um ano e meio numa casa enorme nos Anjos, que é partilhada com três pessoas. É tímido, mas só aparentemente, porque quando lhe perguntei se era bem comportado respondeu-me com a sua primeira gargalhada e um "Parece! Mas não, não sou!".

 

Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto mas não sente que a faculdade tenha feito muito pelo trabalho que tem desenvolvido. As aulas não foram tão produtivas como gostaria, os professores não estavam envolvidos no meio artístico como esperava e parte dos colegas era desinteressada. Ia com as expectativas altas, pensou que ia entrar para "o mundo da arte" e foi uma desilusão nesse sentido. Tem a certeza que se não tivesse encontrado colegas mais velhos e se não se tivesse juntado a eles, não teria terminado o curso como terminou.

 

Foi esse grupo que lhe deu ânimo e que foi a sua verdadeira FBAUP. Organizavam-se como se expusessem em galerias, construíam catálogos e eram activos dentro da faculdade. O Horácio precisava disso para se sentir enquadrado. Em retrospectiva, só necessitava de encontrar as suas pessoas, mas elas não eram os colegas de turma; não estavam onde ele julgava.

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Laura Sequeira Falé/Duplo Espaço

Foram essas pessoas que o despertaram para o design e foi, em simultâneo, que aprendeu a mexer em programas de computador que lhe permitem fazer o trabalho de hoje. Interessa-lhe sobretudo a máscara que todos usamos, especialmente online, em redes sociais, para criarmos experiências colectivas e para nos podermos identificar uns com os outros. Como se todos precisássemos de ser qualquer coisa que não somos para podermos estabelecer um elo de ligação.

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Laura Sequeira Falé/Duplo Espaço

 

Exemplifica-me com o Tumblr, a rede de blogues que é uma espécie de diário aberto, público, onde postamos qualquer coisa e os nossos seguidores podem "re-blogar" aquilo que dissemos. Como se se apropriassem da nossa experiência para torná-la experiência sua. É isso que faz e foi isso que fez na sua exposição mais recente no Museu do Chiado sobre Género na Arte. Pintou na parede experiências de todos nós que podiam ser experiências de um indivíduo sem que ele desconfiasse que eram partilhadas por um conjunto de pessoas diferentes.

 

Tem um irmão gémeo que é geólogo e vive fora de Portugal. Dão-se excepcionalmente bem, mas o Horácio sente que talvez haja uma relação entre trabalhar assumindo experiências dos outros e o facto de ter um irmão fisicamente parecido consigo que vive uma vida diferente da sua. Como se houvesse uma dualidade na sua vida que pretende assumir no seu trabalho plástico. Deixa claro que não gostaria de ter a vida do irmão, mas por vezes pergunta-se como será ser ele em vez de si.

 

Encontrámo-nos em sua casa, mas o seu atelier está dentro do seu computador. Não precisa de um espaço físico para concretizar o seu trabalho até porque sente que o processo de trabalho é o mais importante. Não é necessariamente o resultado final, o trabalho que aparece ao público, a parte que mais lhe interessa. O produto final é uma consequência inevitável daquilo que faz. Vai passeando, vai-se encontrando com amigos e anota no Google Docs do telefone aquilo que lhe chama a atenção para depois poder trabalhar em casa a partir do computador.

 

O seu trabalho é político mas não é necessariamente sobre política, o estado do país ou do mundo. É contemporâneo no sentido de assumir a tensão política em que se vive, expressando preocupações suas que são passíveis de ser generalizadas.

 

O Horácio fala com muita calma e sempre que se refere a amigos ou aos pais adopta um tom doce e amável. Ouve até ao fim, reflecte e só depois responde, sempre com uma dicção invejável. A casa minimalista, o seu quarto com poucos objectos e uma cama individual estão decorados da mesma forma como ele se veste; é tudo tão monocromático como o seu trabalho. Se fala das suas inquietações, assume uma postura séria. Quando conversamos sobre o facto de ser gay, à primeira abordagem diz-me que o assunto não tem grande relação com o seu trabalho; de seguida, pensa melhor e diz que talvez tenha, mas de uma forma inconsciente. Costuma dizer que trabalha sobre relações, mas na verdade trabalha sobre o amor e, como o faz a partir da sua experiência, não pode deixar de abordar o assunto ainda que indirectamente.

 

Gosta muitíssimo de Luiz Pacheco e quando quis ler a sua obra não havia nada disponível. O que havia para comprar custava mais de cem euros. Até que descobriu uma das obras digitalizada e decidiu fazer a sua própria edição, paginada por si para ser distribuída. Mas no dia em que a disponibilizou, todos os exemplares foram roubados. Sobrou-lhe o seu, que guarda religiosamente. O Horácio escreve muito porque é a partir das palavras que todos os seus trabalhos saem — tem uma série de caderninhos, mistura entre diários gráficos e agendas, onde vai anotando os seus planos.

 

Antes de os trabalhos tomarem esta forma, não trabalhava com palavras. Mas quando o convidaram para o Walk & Talk nos Açores, juntou-se ao grande amigo, o Tiago Alexandre, e descobriu que, apesar da amizade, não havia uma linha que conectasse os seus trabalhos. Até que um dia abriu à frente do Tiago um caderno seu com anotações e ambos perceberam que aquilo que estava escrito como apontamento deveria ser exposto como trabalho final.

 

Ficará em Lisboa até lhe apetecer, mas está cada vez mais dentro da cidade. Ao fim ao cabo só precisa de um computador e de uma vida minimamente activa. O resto é vontade de demonstrar vulnerabilidade e vontade de contrariar a onda de racionalidade que diz sentir na arte portuguesa contemporânea.

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