Silva Pereira votou contra países da UE em lista de paraísos fiscais
Eurodeputado do PS alinhou com o PPE e foi dos poucos socialistas europeus a rejeitar iniciativa da sua família política. Proposta não passou por um voto. Como se posicionaram os eurodeputados portugueses?
Por um voto se ganha, por um se perde. É uma velha máxima que a realidade do jogo político por vezes se encarrega de cumprir. E assim foi há poucas semanas no Parlamento Europeu com uma das mais controversas propostas que chegaram a Estrasburgo na sequência dos trabalhos da comissão de inquérito dos Panama Papers.
A ideia lançada pelos socialistas europeus de desafiar a Comissão Juncker a considerar Malta, Luxemburgo, Holanda e Irlanda verdadeiros paraísos fiscais da União Europeia deixou o Parlamento Europeu literalmente partido ao meio. Ao recolher 327 votos a favor, 327 contra e 24 abstenções, a iniciativa acabou chumbada pela diferença de apenas um voto, uma vez que em caso de empate prevalece o chumbo.
Quem corporizou a proposta em nome do grupo parlamentar, apresentando-a através de uma emenda ao projecto de recomendações da comissão de inquérito, foi o eurodeputado alemão do SPD Peter Simon, que acabaria por ver uma esmagadora maioria de colegas a defendê-la. Mas dentro da família dos Socialistas e Democratas, embora a proposta contasse com um apoio expressivo (146 votos a favor), houve quem discordasse e votasse ao lado da posição dominante do Partido Popular Europeu (PPE), onde só uma minoria de 22 deputados esteve ao lado dos socialistas.
Na hora de carregar no botão, 17 eurodeputados do Partido Socialista Europeu (PSE) votaram contra e quatro abstiveram-se. O único socialista português a votar contra foi Pedro Silva Pereira, que não acompanhou o sentido de voto dos restantes seis socialistas portugueses presentes no plenário naquela quarta-feira 13 de Dezembro: Francisco Assis, Maria João Rodrigues, Ana Gomes, Carlos Zorrinho, Manuel dos Santos e Ricardo Serrão Santos (Liliana Rodrigues não esteve presente). A favor votaram igualmente os outros eurodeputados da ala esquerda (Marisa Matias, do BE, e os três deputados do PCP João Ferreira, Miguel Viegas e João Pimenta Lopes), assim como António Marinho e Pinto, alinhado no grupo dos democratas e liberais.
Entre os portugueses que votaram contra estiveram, além de Silva Pereira, Paulo Rangel, José Manuel Fernandes, Cláudia Monteiro de Aguiar, Sofia Ribeiro e Fernando Ruas (PSD), Nuno Melo (CDS) e José Inácio Faria (Partido da Terra); o social-democrata Carlos Coelho não pôde estar presente.
O texto da discórdia foi dividido em três partes e votado separadamente a pedido do PPE e dos próprios socialistas. Silva Pereira votou favoravelmente as duas primeiras partes, decidindo opor-se à terceira, aquela onde, “por conseguinte” ao que se dissera nas frases anteriores, se pressionava a Comissão Europeia a considerar o Luxemburgo, a Holanda, a Irlanda e Malta paraísos fiscais. Na primeira parte, por exemplo, observava-se que o investimento estrangeiro no Luxemburgo e na Holanda é, em conjunto, superior ao realizado nos Estados Unidos, na “sua maioria em entidades com finalidade especial sem actividade económica”, e referia-se que o investimento estrangeiro em Malta “ascende a 1474% da dimensão da sua economia”; na segunda parte, fazia-se outra constatação sobre a realidade holandesa e sublinhava-se o facto de alguns países europeus facilitarem “actividades excessivas de transferência de lucros”.
Alinhamentos
Contactado pelo PÚBLICO para explicar o sentido de voto contra a iniciativa do seu grupo político, Silva Pereira defende que “a votação desse segmento da proposta não pode ser compreendida sem o conjunto do relatório”, onde há “várias mensagens políticas contra o abuso da competitividade fiscal na União Europeia, inclusivamente contras as práticas fiscalmente agressivas” de alguns daqueles países. O eurodeputado, que deu o voto favorável na votação global das recomendações finais e lembra ter votado a favor de “outras disposições muito exigentes”, diz não ter dúvidas de que há práticas fiscais agressivas a combater numa Europa onde espera ver “uma muito maior harmonização fiscal”.
Mas situação diferente, entende, seria “decretar que imediatamente todos aqueles quatro casos” são paraísos fiscais quando “não estava suficientemente clarificado do ponto de vista técnico” que todos “merecessem” essa classificação. Malta, exemplifica, suscitou dúvidas. Silva Pereira defende-se ainda referindo que o seu sentido de voto “foi alinhado” com o do presidente do Partido Socialista Europeu, Sergei Stanishev, um dos 17 socialistas que votaram contra, entre os quais estão mais dois socialistas búlgaros, três malteses, um luxemburguês, três britânicos, três checos, um eslovaco, um cipriota e um grego. Se “porventura” o caso do Luxemburgo ou da Holanda tivessem sido postos a votação (individualmente) o sentido de voto teria sido diferente, admite o ex-ministro da Presidência.
O que foi aprovado
O que acabou por ser aprovado com 373 votos a favor, 281 contra e 32 abstenções foi uma outra emenda, do grupo Europa da Liberdade e da Democracia Directa, a que pertencem o UKIP, o Movimento 5 Estrelas e o partido de extrema-direita alemã Alternativa para a Alemanha (AfD), onde se diz que para a lista de paraísos fiscais elaborada pela UE – só com países terceiros – entrariam pelo menos quatro Estados-membros “se fossem examinados segundo os mesmos critérios”.
José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, considera a ideia dos quatro paraísos fiscais europeus “um erro”. Seria populista e demagógico avançar com a medida “sem se definir regras comuns e uma análise técnica”, considera o eurodeputado, favorável à criação de uma definição clara do conceito de território “offshore”. “Não é o Parlamento, com base num estudo da Oxfam, que vai dizer de uma forma discricionária: ‘Vamos pôr aqui quatro Estados-membros [numa lista negra]’. As decisões nesta matéria têm de ser devidamente fundamentadas”.
Uma das propostas aprovadas no plenário por iniciativa do PPE, com 499 votos favoráveis, considera que “os actuais regimes nas regiões ultraperiféricas aplicam a legislação da União e respeitam as normas internacionais e da União”. Muitos socialistas votaram a favor, mas 56 destoaram, votando contra. Neste caso, Ana Gomes foi a única eurodeputada do PS a fazê-lo (Marisa Matias, do BE, também). Gomes diz que na véspera da votação foi falada a possibilidade de a palavra “alguns” ser acrescentada antes de “regimes” mas que a proposta do PPE acabou por ser votada tal como já estava fixada. Se esse detalhe tivesse sido atendido teria votado a favor, porque, justifica, nem todas as regiões especiais (a Madeira é uma delas) têm a mesma realidade.
No final, o conjunto do texto, com cerca de 200 observações e recomendações, colheu o voto favorável de 16 dos 19 eurodeputados portugueses presentes no plenário (Carlos Coelho e Liliana Rodrigues não estiveram presentes); a excepção foram os três deputados do PCP, que se abstiveram.