“O novo PSD devia libertar o Governo da dependência que tem da esquerda”
António Saraiva, "líder dos patrões”, pede disponibilidade ao próximo líder da direita para aprovar medidas que ajudem a economia. Queixa-se de um Governo “muito refém” do PCP e do BE. E diz que, na próxima legislatura, Costa “tem condições únicas” para se libertar da esquerda.
Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, o líder da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) queixa-se de medidas negociadas pela esquerda - e de outras que podem estar a caminho. Alerta para a “bomba-relógio do malparado”. Critica a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e a banca em geral por não apoiarem as empresas. E diz esperar uma nova atitude do próximo líder do PSD, para resolver problemas e ajudar o país.
Na mensagem de Natal, o primeiro-ministro estabeleceu como objectivo para 2018 criar mais e melhor emprego em Portugal. Parece-lhe um objectivo realizável?
Parece-me um objectivo razoável e exequível. É a continuidade do que tem vindo a ocorrer.
Os dados da legislatura mostram que tem havido criação de emprego, mas que a precariedade se mantém elevada. Melhor emprego não passa também por diminuí-la?
Passará seguramente também por aí e os últimos dados que temos do INE vêm demonstrando que a criação de emprego, na maioria, é de contratos sem termo. Numa economia com algum crescimento, em que fundamentalmente o turismo arrasta outras actividades económicas, não nos pode surpreender que, neste ou naquele caso, possam ocorrer empregos temporários, até pela sazonalidade. Esse combate à sazonalidade que, como sabemos, muitas vezes está no próprio Estado, é uma política que deve ser seguida. Em concertação social, como sabe, estamos a desenvolver mecanismos para continuar a melhorar o emprego a esse nível.
E como vê a legislação do Governo, com novas regras para os trabalhadores independentes - que obriga a mais contribuição por parte das empresas?
Independentemente da autorização legislativa que o Governo tinha desde Dezembro de 2016, o que é facto é que ela nos surpreendeu pelo timing: o Governo vem fazê-lo com algum aproveitamento político, já que é o Bloco de Esquerda que uma vez mais anuncia essas alterações; e anuncia, mais uma vez também, penalizando as empresas. Para além de alargar o universo das empresas afectadas, também as vem penalizar, duplicando a taxa [que lhes é aplicada]. Para além da carga administrativa. Lamentamos o timing e a forma.
No jantar de Natal do grupo parlamentar do PS, o primeiro-ministro disse, a propósito do desacordo em concertação sobre o salário mínimo, que não faz "regateio salarial". Como é que interpreta a declaração?
Por vezes há expressões infelizes, como foi o "gostoso" que o primeiro-ministro por vezes utiliza...
Foi "saboroso".
... E, enfim, não vou comentar a adjectivação. O salário mínimo não é regateável, porque o Governo tem inscrito no seu programa um escalonamento progressivo, para que venha a atingir os 600 euros em 2019. Não havia discussão, não havia negociação. O Governo o que tem feito é trazer aos parceiros a confirmação, é um facto consumado. Aquilo que estávamos a tentar obter, nós parceiros patronais, era o cumprimento de um acordo assinado em Janeiro, em que o Governo se comprometeu a um conjunto de critérios que até agora não foram cumpridos: o Fundo de Compensação de Trabalho e a sua reformulação... o Governo ainda não traz uma proposta concreta. E no Pagamento Especial por Conta a mesma coisa.... não foi de dimensão semelhante ao que seria a redução da TSU [chumbada no Parlamento]. E a manutenção das relações laborais... é evidente que estamos a pensar na não reversão de algumas leis laborais que, em sede parlamentar, os partidos que apoiam o actual Governo - PCP e Bloco....
Mas que medo tem? Do ponto de vista de leis laborais, o que é que está em cima da mesa que temem que o Governo acabe por aceitar?
As iniciativas que PCP e BE já têm em "pipeline": a redução das horas extra, a retoma do pagamento do valor das indemnizações, a caducidade dos contratos de trabalho, o banco de horas individual, a segmentação dos contratos de trabalho. Enfim, há aqui um conjunto de medidas. Se, até agora, não é pela legislação laboral que a actividade económica tem constrangimentos, mas pelos custos de contexto e pelas reformas que é preciso fazer (reforma do Estado, da Segurança Social), focalizar na legislação laboral é estarmos a repisar um tema que não é prioritário. Estamos contra qualquer retorno ao pré-troika.
Tem medo que o Governo não resista à pressão da esquerda?
Temos algum receio nesse sentido, até agora temo-lo conseguido evitar em concertação social. Aquilo que desejaríamos era que em 2018 houvesse essa tranquilidade e razoabilidade nas relações de trabalho.
Alguns dos pontos que disse recear que fossem revistos constam também do compromisso assinado com PCP e BE. Banco de horas individual, por exemplo. Que consequências teriam essas medidas?
Depende da vontade do PS. E o que está no programa do Governo não é todo este conjunto de medidas que a esquerda quer revistas, apenas duas: o banco de horas individual; e a penalização dos contratos a termo (beneficiando em sede de TSU contratos sem termo)...
Já está a ser feito...
Está ser negociado com o BE. Se a economia está a demonstrar que a maioria dos contratos que estão a ser feitos são sem termo, então não vamos introduzir perturbação. O banco de horas individual é fundamental numa economia mais moderna e competitiva.
Mas é pouco usada pelas empresas, segundo os dados que o Governo tem dado.
Eu permito-me duvidar dos dados do Governo. As empresas fazem-nos chegar que essa é uma vantagem que têm para organizar os seus horários de trabalho. Hoje estamos numa economia globalizada, relacionados com horários diferentes, com necessidades de trabalho diferentes. Temos necessidades de adaptar, dentro de determinadas regras. Então, porquê penalizar ainda mais as empresas, tirando esta vantagem que as empresas hoje têm? É um absurdo.
A "geringonça" está a revelar-se um travão à economia?
Não poderia adjectivar dessa forma. Reconheço que, nalgumas matérias, o excessivo peso que o BE e PCP têm no actual Governo - porque a actual maioria está muito refém dessa maioria das esquerdas -, tem limitado algumas reformas, algumas medidas que gostaríamos de já ter visto implementadas. Mas é verdade que os indicadores económicos são francamente positivos, por isso a "geringonça" que inicialmente foi vista com receio por parte dos investidores, isso esmoreceu ao longo destes dois anos. Defendemos é a estabilidade política e social, dizemos que o que se deve é preservar a estabilidade da legislatura e que ela dure até ao fim - e que o PS se consiga libertar (até agora tem estado muito preso, muito refém da esquerda) e seja mais ousado nas reformas e políticas.
Libertar do PCP e BE?
Que se consiga libertar do peso excessivo que PCP e BE têm tido no actual Governo.
Está a pensar nas legislativas de 2019?
Estou a pensar que, no futuro quadro eleitoral, o PS - se fizer o que tem que ser feito, se continuar a dar estabilidade a estes indicadores, se ousar fazer algumas reformas -, tem condições únicas para depender menos num futuro próximo do que depende hoje dos dois partidos de esquerda (...). Sou defensor de estabilidade política e social, para que o investimento continue a desenvolver-se e que as Autoeuropas não repensem esses investimentos. Em termos de atractividade do investimento directo estrangeiro, o país tem que se colocar numa situação de atractividade...
Falando da Autoeuropa: acha que pode reverter o investimento?
Casos como o da Autoeuropa não se podem manter por muito tempo, sob pena de darmos sinais contrários à atractividade do investimento.
O Governo está a fazer, no caso da Autoeuropa, o que pode? Ou podia fazer mais?
Acho que sim, a Autoeuropa é uma entidade privada, o Governo está a fazer de mediador naquele conflito e tem feito o que está ao seu alcance. É no diálogo construtivo entre a administração e a comissão de trabalhadores - porque é ela que representa todos os trabalhadores -, que se deve encontrar a solução.
Se fosse administrador da Autoeuropa, o que é que estava a pensar fazer agora?
Em salvar a empresa, em retomar a estabilidade social que se perdeu. E tentaria chamar à razão aquele universo de trabalhadores, porque receio que haja ali algum descontrolo até das forças sindicais na empresa. A comissão de trabalhadores está enfraquecida, perdeu uma liderança forte e a coesão. E esta comissão com geometria variável não tem tido a força suficiente para levar avante o acordo. Mas teria que haver uma aproximação das partes.
O que é que acha que o Governo deve fazer para manter a economia em bom ritmo?
Podia tentar promover a atractividade fiscal, dando-lhe previsibilidade e uma menor carga fiscal - ao contrário do que aconteceu neste Orçamento. E depois promover um melhor financiamento das empresas. O crédito malparado é uma bomba-relógio que continuamos a ter debaixo dos pés. Enquanto não for resolvido, a banca não está em condições de ceder, a banca não corre hoje nenhum risco e deve ser um parceiro de algum risco - não de todo, como no passado.
Nem a CGD?
A começar pelo banco público, exactamente. Bem sei que os critérios de supervisão são mais apertados. Mas o problema do malparado arrasta-se, o banco de fomento nunca resolveu nenhum desses problemas, a CGD não tem dado provas - até porque o Governo não lhe deu nenhuma carta de missão com esse objectivo - também não tem sido um parceiro de risco. E as empresas precisam de novos mecanismos de financiamento e uma reestruturação da estrutura de capitalização das empresas - os fundos de investimento para recapitalização das empresas ficaram na gaveta, esperemos que em 2018 isso possa ver a luz do dia.
E o que é que espera - se é que espera - da nova liderança do PSD?
Acho que o país ganharia se o actual Governo tivesse na sua direita parlamentar algum apoio diferente, mais construtivo, mais assertivo, do que aquele que tem tido. O actual PSD tem sido ausente e errático na sua política. A nova liderança do PSD poderia trazer, em termos parlamentares, em geometria variável nesta ou naquela medida, um apoio a medidas que este Governo possa lançar. Se nesta ou naquela solução tivesse o apoio de uma direita assertiva e construtiva, ao libertar-se dessa enorme dependência que tem da esquerda, todos ganharíamos. Se o PSD desse esse apoio a um conjunto de medidas para a atractividade do investimento, num diálogo construtivo que deveria existir ao nível dos dois grupos parlamentares…
Está a dizer que o PSD deve ajudar a libertar o Governo da esquerda?
Estou a dizer que é necessária uma ampla maioria parlamentar para as reformas de que o país necessita. E que, sendo certo que precisamos de maiorias de dois terços dos deputados para algumas dessas reformas, se não as conseguirmos nesta legislatura, que se dêem passos de maioridade política para que, numa futura legislatura, independentemente do quadro que saia da próxima eleição, se construa...
Não um Bloco Central?
Não necessariamente um Bloco Central, mas um apoio parlamentar que permita que o país se liberte de algumas grilhetas e que se façam as reformas que, até agora, lamentavelmente, não foram possíveis.