Nikki Haley: a embaixadora que sonha ser Dama de Ferro depende de Donald Trump
Foi uma escolha polémica para embaixadora norte-americana na ONU, mas nove meses depois parece ter encontrado uma voz própria – alinhada com o Presidente, mas suficientemente distante para sonhar com outros voos.
Por mais cliques e partilhas que tenham os textos premonitórios sobre o futuro que espera esta ou aquela personalidade, o exercício de antecipar carreiras políticas é quase tão fútil como esperar que um baralho de cartas tenha respostas para tudo – basta recordar o que se dizia sobre Donald Trump nos primeiros meses da sua campanha eleitoral. Mas depois há casos como o de Nikki Haley, embaixadora norte-americana na ONU: quando ainda não tinha completado 40 anos, a mulher que começou a odiar os impostos e um Estado pesado quando trabalhou no negócio dos pais, ainda criança, já era falada como possível candidata a vice-presidente dos Estados Unidos. E agora é difícil falar sobre ela sem imaginar voos ainda mais altos.
Se os primeiros passos de Haley nos negócios não trouxerem logo à memória um pedaço da biografia de Margaret Thatcher, a antiga governadora da Carolina do Sul tem todo o gosto em sublinhar as comparações sempre que lhe dão uma oportunidade – tal como Thatcher, trabalhou na loja dos pais quando era criança; tal como Thatcher, defende menos impostos e menos Estado; tal como Thatcher, gosta tanto de sindicatos como de um pneu furado numa noite de chuva torrencial; tal como Thatcher, divide o tempo entre a política e a Igreja Metodista – ela que nasceu numa família indiana sikh e se converteu ao cristianismo quando se casou, aos 24 anos.
No dia 8 de Abril de 2013, assim que se soube da morte da antiga primeira-ministra britânica, Haley, a admiradora, misturou-se com Haley, a governadora, numa declaração em que também pareceu dar uma cotovelada aos seus admiradores para que reparassem na coincidência das duas histórias pessoais: "Ela deixou uma marca enorme no seu país e no mundo, ao reverter a caminhada do Reino Unido para o socialismo e para o domínio dos sindicatos, e ao ajudar a derrotar o comunismo internacional. Filha de um merceeiro, Margaret Thatcher quebrou inúmeras barreiras de classe e de género, simplesmente por ser quem era. A sua determinação e os seus feitos fazem dela uma figura histórica de relevo por várias gerações."
No meio da histeria colectiva em que se tornou a política norte-americana, é fácil – e tentador – olhar para Nikki Haley como uma mera executante do plano de Donald Trump para abalar as fundações da ONU. Mas essa imagem é errada: não só porque Trump não precisa de executantes para mostrar o que pensa (ou não pensa) sobre o mundo, como também porque a ascensão de Nikki Haley na política americana tem deixado os seus adversários e aliados convencidos de que tem os olhos postos na Casa Branca.
Uma família indiana na América
A história começa em 1972, na pequena cidade de Bamberg, no estado norte-americano da Carolina do Sul. Nikki nasceu Nimrata Randhawa a 20 de Janeiro, o dia em que os Presidentes dos EUA tomam posse desde 1937 (sim, todas as armas são poucas para se adivinhar o futuro).
A única família indiana sikh de Bamberg teve a sua quota-parte de problemas de integração, mas a falta de instrução não foi um dos entraves: o pai, Ajit Singh Randhawa, foi professor na Universidade de Agricultura do Punjab, e a mãe, Raj Kaur Randhawa, chegou aos EUA com uma licenciatura em Direito pela Universidade de Nova Deli.
Depois de uma passagem pelo Canadá, para melhorar os currículos académicos, o casal mudou-se para a Carolina do Sul, onde Ajit Singh foi dar aulas para a Universidade Voorhees e Raj Kaur leccionou nas escolas públicas de Bamberg, vindo mais tarde a fundar uma bem-sucedida loja de roupas, a Exotica International.
Apesar das carreiras de sucesso dos pais, Nikki fala muitas vezes naqueles primeiros anos na Carolina do Sul, e de como era vista como uma carta fora do baralho quando era criança.
Na sua autobiografia conta um episódio que a ajudou mais tarde a apresentar-se como uma candidata do Partido Republicano conservadora mas sintonizada com os problemas raciais na América: "Que lado é que eu poderia escolher? O que é que eu era?", pensou, depois de os amigos de infância lhe terem perguntado se preferia ir para a equipa de kickball dos brancos ou dos negros.
Foi então que lhe chegou aquela que terá sido a sua primeira solução diplomática, quando a palavra é usada como sinónimo de agradar a toda a gente: "Encontrei uma solução. Mudar o foco. Tirei a bola à rapariga e corri para o campo o mais depressa que pude. 'Não sou nem branca, nem negra', gritei. 'Sou castanha.'"
Duas décadas mais tarde, pouco depois de ter entrado nos 30, Nikki Haley viria a contar esta e outras histórias de infância quando se candidatou à Câmara dos Representantes da Carolina do Sul – uma aposta que ganhou, tornando-se na primeira americana de origem indiana a ser eleita para um cargo político naquele estado.
Tanto nessa primeira aventura eleitoral, como nas duas reeleições, em 2006 e 2008, Haley ficou conhecida pelas propostas fiscais em benefício das empresas e pela luta contra os sindicatos – nada de registo sobre temas que pudessem abrir-lhe as portas ao cargo para o qual foi escolhida por Trump: embaixadora dos Estados Unidos na ONU.
Guerra contra Trump
O salto para o palco nacional aconteceu em 2010, quando se candidatou a governadora da Carolina do Sul. Nesse ano, as eleições para o Congresso norte-americano foram varridas por uma onda ultraconservadora, patrocinada pelo movimento Tea Party – foi o apoio público de Sarah Palin, na conservadora Carolina do Sul, que lhe valeu uma subida nas sondagens e a posterior vitória. Estava eleita a terceira governadora não-branca num estado do Sul dos EUA, depois de Douglas Wilder (Virginia, 1990) e Bobby Jindal (Louisiana, 2008).
Em 2015, um mês depois de o atirador branco Dylan Roof ter matado nove negros numa igreja em Charleston, a governadora Haley liderou, com sucesso, a iniciativa para retirar a bandeira da Confederação dos terrenos do Capitólio do estado. Mas essa decisão, apesar de ter sido elogiada por vários grupos de defesa dos direitos cívicos, foi também vista como um golpe de oportunismo por muitos críticos – afinal, Haley teve várias oportunidades para apoiar a retirada da bandeira em anos anteriores, mas foi sempre fugindo ao confronto com uma parte dos seus eleitores.
Se há dúvidas de que a actuação de Nikki Haley como embaixadora dos EUA nas Nações Unidas tem muito de rampa de lançamento para outros voos, e não apenas de uma execução das ideias do seu Presidente, basta recuar até à tumultuosa campanha eleitoral para a Casa Branca – como governadora da Carolina do Sul, Haley não só apoiou outros candidatos do Partido Republicano como entrou várias vezes em conflito com Donald Trump.
Oito meses antes de ter aceitado o convite de Trump para ser embaixadora na ONU, Haley deu uma resposta à moda do Sul ao então candidato quando este disse que o povo da Carolina do Sul tinha vergonha da sua governadora: "Bless your heart", respondeu Haley (uma expressão que significa "Deus te abençoe" em português e qualquer coisa como "#$#@!" quando é dito em certas zonas do Sul dos EUA).
A luta entre os dois já vinha de trás, quando Haley criticara a proposta de Trump para proibir a entrada de muçulmanos no país – essa proposta era "anti-americana", disse Haley. Como apoiante do candidato Marco Rubio, Haley questionou também Trump sobre a declaração de impostos, o que tornava a ideia de virem um dia a trabalhar juntos na Casa Branca numa daquelas premonições tão fúteis como esperar que um baralho de cartas tenha respostas para tudo.
A arte de não irritar o Presidente
Nove meses depois de ter chegado à ONU com um currículo desajustado ao cargo, e apesar das críticas de quem a vê na Europa como uma Donald Trump de saias, Nikki Haley já teve uma vitória pessoal, que pode vir a valer ouro nos próximos passos que der na política americana. No meio da confusão que tem sido a Administração Trump, Haley tem conseguido escapar aos raspanetes públicos do Presidente, que já queimaram o secretário de Estado, Rex Tillerson, ou o attorney general, Jeff Sessions, ao mesmo tempo que foi conquistando uma voz própria no difícil mundo da ONU.
Resta saber se as suas ambições políticas vão sobreviver até ao fim a um acesso de fúria de Donald Trump – é que o caminho entre ter uma voz própria e não ofuscar o Presidente norte-americano tem de ser feito com muito equilíbrio, como disse à CNN John Negroponte, embaixador dos EUA nas Nações Unidas no primeiro mandato de George W. Bush: "No que diz respeito a Washington, ela não está a violar as instruções que recebeu. É por isso que permitem que ela seja ela própria. Mas está por saber de que forma é que ela pode ser ela própria e, ao mesmo tempo, continuar a ser aceitável aos olhos do Presidente."