Os museus nacionais vão ganhar autonomia em 2018? “Espero que seja este ano. Duvido que seja este ano”
O ministro da Cultura garante que o seu gabinete está a trabalhar para dar mais capacidade de decisão às equipas dos museus, mas quem conhece bem o sector está longe de entender o que quer Castro Mendes dizer quando fala de autonomia.
A 7 de Novembro deste ano, Luís Filipe Castro Mendes foi ao Parlamento discutir o orçamento para a Cultura e acabou a reafirmar, já quase no fim de uma maratona de mais de cinco horas, a intenção de mexer na Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), criando condições para que museus e monumentos nacionais voltem a ser geridos por um instituto público.
Diria o ministro ao PÚBLICO, no dia seguinte, que o regresso a um modelo mais ágil permitirá dar resposta aos pedidos constantes dos directores destes equipamentos para que lhes seja devolvida pelo menos alguma da autonomia que já tiveram no passado, antes de o Governo PSD-CDS ter criado a DGPC, um organismo que Castro Mendes admite ser, apesar dos esforços de quem o dirige, “disforme” e “disfuncional”.
A reposição da figura do instituto público, ressalvou, não será uma medida a tomar ainda durante esta legislatura, mas “matéria de reflexão” para o seu gabinete. Criá-lo, dando às equipas de museus e monumentos a “autonomia desejável”, esclareceu, exigiria “uma reforma geral administrativa da Cultura e do Estado”. Para já, trabalha-se no sentido de conseguir a “autonomia possível”. Mas mesmo essa, lamentaram já vários directores de museus e monumentos ao PÚBLICO, tarda em chegar.
Neste cenário, é legítimo perguntar se será em 2018 que os museus vão ganhar (alguma) autonomia – e em que é que ela se poderá traduzir.
Ouvimos dois antigos directores dos museus – da altura em que a organização do sector contemplava um instituto para os museus e outro para o património arquitectónico e arqueológico – sobre as promessas de Castro Mendes para o sector e confrontámo-nos com o seu profundo cepticismo.
Raquel Henriques da Silva, antiga directora do Instituto Português de Museus (IPM), e Manuel Bairrão Oleiro, que foi primeiro seu subdirector e depois o principal responsável do organismo que lhe sucedeu, o Instituto dos Museus e da Conservação, têm dificuldade em compreender do que fala o ministro da Cultura quando se refere a um novo organismo para gerir monumentos e museus e como poderá ele conviver com a actual DGPC. Mas ambos defendem que, sem autonomia, o quotidiano dos museus portugueses se torna a cada dia mais difícil e o serviço público que prestam, apesar do tremendo esforço das suas equipas, a cada dia pior.
“Os museus hoje não têm autonomia absolutamente nenhuma porque não têm orçamento, não gerem sequer uma parte pequena das suas receitas e a DGPC não delegou competências nos seus directores”, explica Bairrão Oleiro. Sem saber com que orçamento podem contar, pergunta, como podem assumir compromissos a três ou quatro anos como os que se exigem a instituições que, legitimamente, aspiram ter uma programação internacional? Os directores, acrescenta, continuam a ter autonomia científica, mas não podem decidir nada do ponto de vista financeiro, o que é “extremamente penalizador”: “Os museus deviam gerir uma parte muito significativa da sua receita, porque isso responsabiliza os directores e as equipas pelos seus projectos e pode ser muito mobilizador para quem lá trabalha. Hoje estão reféns da DGPC e da sua burocracia, do orçamento que lhes é atribuído pontualmente, nunca sabem com o que podem contar.”
Raquel Henriques da Silva também insiste na devolução aos museus de um orçamento de funcionamento e considera que esta proposta de um novo instituto é “quase uma afronta”: “O problema não está só no modelo, mas no que se faz com ele. Mesmo com uma direcção-geral é possível dar uma autonomia efectiva aos directores, que é quem tem de governar o dia-a-dia dos museus.”
A historiadora de arte argumenta que, no que toca à situação que se vive hoje nos museus e que leva os seus directores a tecerem duras críticas à tutela, o que falta é “uma estratégia clara” e “vontade política”. “O sr. ministro é um homem empenhado, mas é incapaz de ter um papel político. Está sempre a dizer que o problema é que a DGPC tem de estar sempre a pedir autorização às Finanças, quando o que devia fazer era negociar uma estratégia para os museus com o primeiro-ministro, porque é ele que politicamente decide o que se vai fazer, onde é que se vai apostar.”
Como esta estratégia tarda e o peso político falta, tanto Henriques da Silva como Bairrão Oleiro duvidam que se venha a devolver em breve aos museus a autonomia que já tiveram e de que “precisam desesperadamente”: “Nunca como agora os museus estiveram tão desapossados de capacidade de governança, nunca as suas equipas foram tão menorizadas. Esta centralização absurda na DGPC não acontece em lugar nenhum da Europa. E chega a ser cruel, porque acontece quando os museus têm mais visitantes”, sublinha Raquel Henriques da Silva.
Restaurar o modelo do instituto, defende ainda assim Bairrão Oleiro, pode ser uma boa aposta. E é algo que se pode fazer já, dispensando a reforma administrativa geral de que fala o ministro. “A Cultura já tem institutos públicos noutras áreas. É possível criar um sem reformar tudo o resto, sem quebrar regras na administração pública e sem dar origem a problemas financeiros. É, em parte, por isso que eu não compreendo o que quer dizer o ministro da Cultura quando fala neste novo instituto. Não é preciso inventar nada – já funcionou.”
E se quisermos resultados sem mexer na estrutura, acrescenta por sua vez a antiga directora do IPM, é possível consegui-los dentro da própria DGPC: “Basta que se deixem os directores trabalhar com um orçamento, criando condições para que o façam em rede, ouvindo os parceiros, que é coisa que o Ministério não tem feito nesta área.”
Bairrão Oleiro não compreende por que razão a “autonomia efectiva” dos museus terá de ficar para o próximo Governo: “Já vamos a meio da legislatura e é preciso que na Cultura se passe dos anúncios à prática. A criação da DGPC foi um erro do ponto de vista estratégico e não trouxe poupanças significativas. Não é da responsabilidade deste Governo, já sabemos, mas é este Governo que pode fazer alguma coisa para contrariar a degradação do serviço público." Uma degradação que se nota, exemplifica, nos museus parcialmente fechados (veja-se o caso do Museu Nacional de Arte Antiga) e nas “exposições temporárias que se eternizam”.
E voltando à pergunta com que começámos – “Será que é em 2018 que os museus vão ganhar (alguma) autonomia?” –, os dois antigos directores do extinto instituto de museus respondem: “Espero que seja este ano” (Bairrão Oleiro), “duvido muito que seja este ano” (Raquel Henriques da Silva).