Descoberta rede militar com quatro mil anos no Norte da Síria
A guerra na Síria não deixou que os cientistas continuassem os seus trabalhos no Norte do país. Por isso, começaram a estudar os locais com imagens de satélite e descobriram uma grande estrutura militar que terá servido para proteger do inimigo aquela zona de campos férteis.
No Norte da Síria, a leste da cidade de Hama, há vestígios arqueológicos de várias fortalezas, fortes, torres e pequenas torres. Todas estas estruturas defensivas têm vindo a ser estudadas e descritas, nomeadamente por um projecto sírio e francês. Mas a guerra civil no país impediu que esta equipa continuasse a fazer trabalhos de campo. Mesmo assim, continuou-se a tentar desvendar os segredos dos restos arqueológicos com imagens de satélite. Concluiu-se então que na Idade do Bronze essas fortalezas, fortes, torres e pequenas torres faziam parte de uma rede de vigilância e comunicação que pode ter resguardado do inimigo os campos mais férteis, nota um artigo científico na revista Paléorient. É a primeira vez, contam os cientistas, que um extenso sistema fortificado como este foi descoberto neste território.
Tal como o nome indica, a missão do projecto geo-arqueológico Margens Áridas do Norte da Síria é perceber como os primeiros humanos ocuparam o Norte da Síria e como aproveitaram o seu ambiente geográfico. A região explorada pela missão estende-se por sete mil quilómetros quadrados e posiciona-se a oeste das regiões povoadas e sedentárias do Crescente Fértil e a leste das estepes áridas habitadas pelos povos nómadas.
Ao todo, foram descobertos mais de mil sítios arqueológicos na Síria, “o que traz mais conhecimento sobre as regiões das estepes para todos os períodos da história da Síria e do Próximo Oriente”, salienta-se no artigo, que tem como principal autora a arqueóloga Marie-Odile Rousset, do Laboratório de Arqueologia do Oriente do Centro Nacional de Investigação Científica (França).
“Trabalhámos na Síria de 1995 a 2002 e, depois, em 2010, fazendo apenas prospecção de campo, sem escavações”, conta ao PÚBLICO a arqueóloga. Ao longo do projecto, a região foi explorada por uma equipa de franceses e sírios, e dirigida pelo geógrafo Bernard Geyer e o historiador Nazir Awad. “Como os locais estão muito bem preservados nesta área, conseguimos obter muitas informações destes sítios e ter o plano de vários.” Contudo, a guerra impediu mais estudos no campo. “Infelizmente, desde 2011, com a guerra na Síria, não conseguimos lá voltar”, refere. Mas houve uma forma de fazer frente a esta adversidade: “Continuámos os nossos estudos usando imagens de satélite [tiradas desde 1960 até agora]. É uma forma de completarmos as nossas observações no terreno. E, como trabalhámos no local primeiro, conseguimos compreender o que vimos nas fotografias.”
Nessas observações, conseguiram reconstruir uma rede de vigilância e comunicação, mesmo além dos limites da zona de estudo, assim como descobrir sítios desconhecidos e nunca antes descritos em comunicações científicas. “Toda a rede é constituída por diferentes tipos de fortificação – grandes castelos com 200 metros de comprimento, fortes com cerca de 60 metros de diâmetro, torres de 30 metros de diâmetro, pequenas torres com 15 metros –, identificados ao longo de 150 quilómetros”, descreve Marie-Odile Rousset. “Ninguém tinha encontrado uma rede tão grande”, considera. Esta rede terá funcionado na Idade do Bronze no Próximo Oriente, há cerca de quatro mil anos. Para isso, os cientistas fizeram a datação em tigelas, jarras ou pratos de cerâmica que já tinham recolhido nestes sítios arqueológicos.
Sinais de luz e fumo
Esta rede traz também muitas questões: como terá sido feita? Como funcionaria? Os cientistas sugerem que terá sido construída com grandes blocos de basalto, que não foi esculpido, e formada por muralhas de vários metros de largura e altura. Estava ainda posicionada de uma maneira que podia ver e ser vista pelos outros. Além disso, a comunicação nesta rede dependia de sinais de luz ou de fumo para se transmitir rapidamente informações para os centros de poder.
Pensa-se que servisse para proteger o território do inimigo, sobretudo as terras mais férteis e os corredores de transporte. “Descobrimos alguns fortes e torres desta rede no terreno e percebemos no ano passado como estavam ligados com as capitais dos reinos da Idade do Bronze perto das estepes do Centro da Síria (Alepo, Ebla ou Catna). Protegia a área mais fértil contra o inimigo que vinha do Leste da Síria, talvez do reino rival de Mari (no vale do Eufrates)”, conta Marie-Odile Rousset. “A rede defensiva evidenciada nas regiões das margens áridas completa a protecção oferecida às populações pelas fortificações urbanas”, lê-se no artigo.
A equipa reforça ainda que a descrição desta rede é apenas um “primeiro passo”, “enquanto espera retornar ao campo”. Resta a questão: com o conflito actual, em que estado ficaram estas fortalezas, fortes e torres? Marie-Odile Rousset responde-nos: “Vi no Google Earth que alguns dos fortes tinham sido reutilizados desde 2013 para propósitos militares, mas não ficaram muito destruídos.”