Um encontro humano no Bairro do Aleixo
João Salaviza e o brasileiro Ricardo Alves Jr. são os realizadores de Russa, curta-metragem produzida no âmbito do projecto autárquico do Porto Cultura em Expansão, cuja quarta edição se encerra este fim-de-semana no Teatro Rivoli.
“Russa não é um filme sobre o bairro do Aleixo; é um encontro com os seus moradores, pessoas reais e não personagens”. João Salaviza (n. Lisboa, 1984) é claro a identificar a motivação que o levou, e ao seu amigo e companheiro de câmara brasileiro Ricardo Alves Jr., a entrar neste bairro portuense para fazerem uma residência artística integrada na 4.ª edição do projecto da autarquia Cultura em Expansão.
A curta-metragem de meia hora que resultou dessa experiência vai ter estreia mundial este domingo, às 16h00, no Teatro Municipal Rivoli (Sala Isabel Alves Costa). É parte de um amplo programa festivo que, este fim-de-semana, encerra a edição deste ano do projecto com que a Câmara do Porto tem vindo a “trabalhar a cultura em todas as geografias da cidade, e em articulação com associações de moradores e colectividades”, explica ao PÚBLICO Guilherme Blanc, assessor da presidência para a área da Cultura.
Depois de em 2016 ter convidado Salomé Lamas, que aí filmou Ubi Sunt, uma exploração do tecido humano e urbano portuense, a autarquia desafiou este ano João Salaviza (Montanha) e Ricardo Alves Jr. (Elon Não Acredita na Morte!) a pensar e problematizar a “cultura em expansão” num novo ensaio fílmico.
Foram os próprios realizadores que escolheram ir trabalhar no Bairro do Aleixo. “Fizemo-lo seguindo um pouco um instinto, pois queríamos perceber de que bairro se tratava”, explica Salaviza ao PÚBLICO, ao telefone, a partir de São Paulo, lembrando a imagem generalizada de que se tratava de um lugar perigoso, onde as pessoas tinham medo de entrar ou sequer passar. “Quisemos ir conhecer o bairro por dentro”. Foi o que os dois cineastas fizeram numa residência de três meses durante o último Verão.
“Quando lá chegámos, defrontámo-nos com uma certa desconfiança: as pessoas pensavam que éramos jornalistas, da imprensa ou da televisão”. Ultrapassada essa barreira inicial, as coisas acabaram por correr bem. “Percebemos que a realidade era muito diferente do mito que se tinha criado sobre o Aleixo, tanto a imprensa como os poderes públicos e as populações de outros bairros e a própria cidade”, recorda o autor da curta-metragem Rafa, Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2012.
Duas irmãs
Tratava-se de uma ficção que os dois cineastas quiseram denunciar. Rodaram o seu filme em volta de Helena, uma moradora por volta dos 50 anos, que no bairro é conhecida como “a Russa”. Daí o título do filme, que retrata o encontro desta personagem com a sua irmã, mais ou menos da mesma idade. “Interessou-nos descobrir quem eram estas mulheres. Eu e o Ricardo quisemos correr o risco deste encontro com o real, e foi um encontro muito aberto e muito honesto de parte a parte”, conta Salaviza, fazendo notar que não lhes interessava “a ideia do filme-tese, do cinema que escrutina a realidade à distância, sem se envolver, criando imagens que ilustram o que já se sabia”.
“Quisemos ir conhecer as pessoas”, sintetiza o realizador, que tem em Russa o primeiro trabalho de co-realização com Ricardo Alves Jr., um amigo de longa data, que conheceu em 2006 quando com ele estudou na Universidade de Cinema em Buenos Aires, mas com quem já colaborou na escrita do argumento da sua primeira longa-metragem, Elon Não Acredita na Morte! (2016).
Nascido em Belo Horizonte, em 1982, Ricardo Alves Jr., também com carreira no teatro, é autor de várias curtas-metragens (Material Bruto; Convite para Jantar com o Camarada Stalin; Permanências; Tremor), que em 2013 foram exibidas numa retrospectiva na Cinemateca Francesa, em Paris, e também já passaram pelo IndieLisboa.
Depois da estreia no Porto, Russa irá fazer o habitual circuito pelos festivais, em Portugal e lá fora. Mas, “em primeiro lugar, quero que as pessoas do bairro do Aleixo vejam o filme, que o apreciem, que não se sintam traídas e encontrem nas imagens aquilo que tentámos construir juntos”, diz Salaviza, acrescentando que Russa passará depois “a ser de quem o quiser, e a sua vida deixa de depender dos realizadores”.
No final da exibição do filme, este domingo, o palco principal do Rivoli Sala Manoel de Oliveira – vai acolher, às 17h00, o espectáculo final do Cultura em Expansão com o projecto Oupa!, resultante de meio ano de residência artística nos bairros de Lordelo, e que envolveu músicos e cineastas como Capicua, D-One, André Tentúgal e Vasco Mendes.
Já a tarde deste sábado estava dedicada ao cineclubismo e ao programa Nove e Meia: Cineclube Nómada, com a exibição de trabalhos de jovens realizadores e técnicos, produzidos entre Maio e Dezembro.
Guilherme Blanc assegura que Cultura em Expansão vai prosseguir em 2018, por ser visto como “um projecto fundamental” na estratégia da Câmara Municipal do Porto de fazer chegar a produção e a fruição cultural e artística a todos os lugares da cidade. Ainda que os nomes dos convidados só venham a ser anunciados mais tarde, projectos como os de João Salaviza e Ricardo Alves Jr. “vão ter continuidade”, assegura o assessor.