Mais de 5 mil tratamentos autorizados para a hepatite C estão por iniciar
Desde Fevereiro de 2015 até ao final de Outubro deste ano, o Ministério da Saúde autorizou 18.045 tratamentos para a doença. Mas até 8 de Novembro só 12.380 tinham sido iniciados. Directora do Programa para as Hepatites Víricas nega atrasos e justifica diferença com a entrada constante de novos doentes e questões de agendamento médico.
Desde Fevereiro de 2015, quando foi selado o acordo para o acesso aos medicamentos inovadores que garantem a cura de mais de 95% dos doentes com hepatite C, até ao final de Outubro deste ano, o Ministério da Saúde autorizou 18.045 tratamentos para a doença. Mas até 8 de Novembro só 12.380 tinham sido iniciados, estando 5665 tratamentos por começar, mostram os últimos dados do Infarmed. Os novos medicamentos já curaram 7307 doentes.
A directora do Programa Nacional para as Hepatites Víricas refere que “estão sempre a entrar novos doentes” e existem questões de agendamento médico que explicam a diferença entre os tratamentos autorizados e os iniciados. A associação GAT - Grupo de Activistas em Tratamentos afirma que é preciso clarificar a situação e considera que a redução de custos com a doença é fruto da diminuição do número de doentes tratados.
Em Julho, o relatório do Programa Nacional para as Hepatites Víricas já mostrava uma diferença semelhante entre os tratamentos autorizados (na altura 17.591) e os iniciados (11.792). “É importante que seja clarificado porque é existem mais de 5 mil tratamentos que foram autorizados e ainda não foram iniciados. Pode ser uma ou mais razões. Mas não é possível que sejam tratamentos autorizados no último mês porque vemos que é um número mais ou menos constante há largos meses”, diz Luís Mendão, do GAT.
Queixas de doentes
À associação têm chegado queixas de doentes que dizem esperar “cinco e seis meses” entre o pedido do médico e o início do tratamento e de outros que “são seguidos há mais de um ano a quem ainda não foi prescrito”. Para o GAT este adiamento deve-se “a dificuldades de cabimentação e, por isso, a solução foi passar a responsabilidade para os hospitais, colocando a barreira noutro lado que é mais difícil de monitorizar”.
Refere-se ao facto de em 2018 o pagamento dos tratamentos passar a ser feito pelos hospitais em vez de a compra ser centralizada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Decisão que “vai agravar os problemas de acesso”. O GAT defende a criação de um tecto máximo de 25 milhões de euros/ano a gastar com a medicação, conseguindo uma redução dos preços dos medicamentos e aplicando a poupança em diagnóstico e prevenção.
O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, Rui Tato Marinho, considera que “a compra centralizada era uma excelente solução que se deveria manter”. Quanto à diferença entre os tratamentos autorizados e iniciados, diz que um dos motivos poderá ser a colocação dos dados no Portal da Hepatite C só depois do tratamento concluído devido ao processo burocrático que implica. “Mas há outra percentagem de pedidos em que há espera, mais tempo do que no início do processo, quando demorava um mês. Já chegou a ser de quatro meses, agora estará em dois. Sentimos que o processo podia ser agilizado.”
A directora do Programa Nacional para as Hepatites Víricas, Isabel Aldir, diz não ter qualquer conhecimento oficial de atrasos ou de falta de cabimentação orçamental. Refere que “são raras as situações em que o tratamento se coloca como urgência”, o que “não significa que deva ser protelado, mas sim por vezes pode esperar algum tempo para ir ao encontro das necessidades específicas do doente”.
A este aspecto somam-se “as questões de agendamento médico e o facto de este ser um processo dinâmico". "Estão sempre a entrar novos doentes, com novas autorizações e novos inícios”, explica. Estas “são as principais razões subjacentes ao diferencial entre o número de tratamentos autorizados e o número de tratamentos iniciados”. Isabel Aldir salienta ainda que a hepatite C é uma prioridade, o que “está bem expresso” ao considerar-se elegível para tratamento todos os doentes e com o novo plano para tratar reclusos.
A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) não confirma atrasos de cinco a seis meses na atribuição dos medicamentos, mas lembra que entre a aprovação e administração “é necessário dar cumprimento a todas as fases do circuito da despesa, que incluem os procedimentos desenvolvidos pela ACSS e pela entidade que solicita aprovação do medicamento”. Já o Infarmed diz que eventuais atrasos “estarão relacionados com a dinâmica organizacional própria de cada hospital nomeadamente no que respeita à capacidade de resposta para o necessário acompanhamento clinico”.
Eliminar a doença
A despesa prevista para este ano com a medicação para hepatite C é de 39,6 milhões de euros, valor semelhante ao estimado para 2018. Isabel Aldir estima que entre 3 mil e 4 mil novos doentes possam iniciar tratamento no próximo ano. “Uma estratégia normal, mas pouco ambiciosa. Passamos de 5 mil para 4 mil doentes tratados por ano e com isso reduz-se a despesa porque tratam menos pessoas”, aponta Luís Mendão.
“Portugal que é visto como pioneiro está aparentemente a voltar atrás por causa do atraso na aprovação de medicamentos e por não ter plano de acção que atinja toda a cascata: diagnóstico e prevenção”, aponta o deputado do PSD, Ricardo Baptista Leite, que é o coordenador da plataforma online Let’s End HepC, desenvolvida pela Universidade Católica Portuguesa, que envolve Portugal, Bulgária, Inglaterra, Alemanha, Roménia e Espanha.
A ferramenta permite avaliar qual o impacto das políticas actuais na concretização do objectivo da Organização Mundial de Saúde de eliminar a hepatite C até 2030. “Com estas políticas não o vamos conseguir”, aponta, referindo que a plataforma fornece uma lista de 24 medidas eleitas por um conjunto de peritos que permite chegar a esta meta. “O modelo permite avaliar qual a conjugação de medidas que levam a que o objectivo seja alcançado e quando”, explica.
“Julgo que fica claro que a sensibilização e a prevenção têm um papel determinante, assim como a intervenção junto de populações específicas como os reclusos – que em Portugal continuam a ser uma população descorada – e a população migrante”, acrescenta, defendendo a realização de rastreios direccionados e mecanismos que garantam que os doentes se mantêm ligadod ao sistema de saúde.