À noite é vê-las afogadas. Submersas em água turvada, após instantes de efervescência. Pautam, silenciosamente, as rotinas diárias. De manhã, completam a toilette num sorriso de brilho plástico. À noite decoram bacias. Sem elas, sobrevivem as bocas como que vazias. Gengivas púdicas da nudez sugam as flácidas carnes das bochechas. Bocas transformadas num não-lugar.
Por vezes animam-se, movidas por uma força invisível. Desarticuladas, saltam e soletram estranhos sons. Apitos negando a falsa juventude.
Victoria alojou-as clandestinamente meses a fio. Escondia-as de nós na sua caverna húmida. Recusou-lhes qualquer breve e apressada escovadela. Longas negociações trouxeram-nos à luz do dia as negras e escorregadias próteses.
- Olha como eu fico engraçada sem dentadura. — Diz Daisy. Olha-me fixamente nos olhos e brinca.
Revela-se desinsuflada. Boca sem pipo e corpo reduzido aos sulcos lavrados na face. Nada mais tem importância, nos breves momentos em que lhe escovo a dentadura. Uma vez devolvida, mulher inteira. Nova ilusão, cerrada entre os dentes sob o sabor amargo do flúor.