Alunos e professores temem futuro da Universidade Sénior de Santo António. Junta fala em “reestruturação”
Alunos e professores temem a “destruição de uma das entidades de educação e intervenção social mais fundamentais do centro da cidade”. Junta de Santo António diz que quer uma universidade mais “abrangente” e “próxima” de quem mora na freguesia.
Margarida Ramos, 75 anos, dedicou mais de metade da vida e ensinar os mais novos a ler e a escrever. Hoje, senta-se do lado de lá das salas de aula da Universidade Sénior de Santo António (USSAL), em Lisboa. Está ali desde o primeiro dia, e vai, quase todos os dias, de São Domingos de Benfica para a universidade. “É uma alegria”, diz, mas teme agora que a junta de freguesia altere o currículo da universidade sénior e lhes tire a si, e aos colegas, as disciplinas que “diferenciam a USSAL em relação a outras universidades”.
São as aulas de piano, flauta transversal, cavaquinho, viola e as danças tradicionais, enumera Margarida Ramos, afirmando que a autarquia as quer retirar da oferta formativa daquela instituição. “Ficámos muito tristes e indignados. A ideia é tirar essas disciplinas e pôr aulas de costura e culinária, por exemplo”, explica a aluna, que considera essas actividades mais adequadas a um “centro de dia ou clube sénior”.
A tristeza e revolta dos utentes sobem de tom porque os alunos e professores, com quem o PÚBLICO falou, dizem não ter sido consultados sobre essa decisão. “Não contactaram ninguém”, diz Margarida Ramos, acrescentando que a junta reuniu, na semana passada, com alunos e professores para lhes comunicar a decisão.
Ao PÚBLICO, o presidente da junta de Santo António, Vasco Morgado, explicou que a autarquia quer “reestruturar” a universidade, admitindo tratar-se de um processo “normal” dado o início de um novo mandato.
“Deram bastante à freguesia, mas a coisa não cresceu como nós queríamos. Vamos procurar novos caminhos e novas ideias, sendo que a universidade sénior não é para acabar”, garantiu, admitindo que a quer tornar numa “referência da cidade de Lisboa” nos próximos quatro anos.
“Queremos uma universidade mais abrangente, com mais oferta, com mais liberdade de espaço, com mais proximidade, o que não estávamos a conseguir. Temos que pôr as ideias no lugar, verificar onde estávamos a falhar para continuar na mesma com a Universidade Sénior de Santo António”, justificou.
É por isso que quer arrancar com essa nova estrutura em Janeiro. “Vamos abrir as inscrições para deixá-los [aos alunos] escolher as disciplinas que querem. Poderá haver até disciplinas que tenham mais de uma hora do que o que têm, e outras que secalhar passam a ter menos”. A partir dessas “pré-inscrições”, a junta diz querer rever as actividades que serão disponibilizadas aos alunos.
No entanto, Margarida Ramos refuta a ideia de que as aulas leccionadas não são suficientemente abrangentes. “Temos pessoas com a quarta classe, licenciados, bacharéis. Temos de tudo e as pessoas não saem defraudadas das aulas”, sublinha.
O autarca reconheceu ainda que a universidade, que ocupa as antigas instalações da junta de freguesia de São Mamede, no Príncipe Real, tem “pouco espaço” e que precisa de crescer “pela freguesia para dar mais proximidade”.
A USSAL arrancou há quatro anos. Este ano lectivo começou mais tarde por causa das eleições autárquicas. Estão inscritos 57 alunos. O mais velho da universidade tem 93 anos, diz Nelson Antunes, 73 anos, que é o professor de Património e que esteve na génese do projecto. Assumiu, aliás, as funções de coordenador administrativo da universidade até pôr o lugar à disposição após as eleições de Outubro. Na verdade, tem continuado a assumir essas funções porque, diz, “as aulas têm de continuar”.
O professor acusa o autarca de Santo António de querer “uma universidade dele”. “É esse o busílis da questão”, reitera, referindo que a junta “não tem despesa” com a universidade já que só três dos cerca de dez professores são remunerados. Os restantes dão as aulas pro bono.
De acordo com o autarca, a junta destina “cerca de 15 mil euros”, por ano, para a universidade.
Dado que os alunos também pagam uma propina anual (de 50 euros para os que moram na freguesia, de 70 para os que vivem fora), Nelson Antunes acredita que esse valor “cobre o vencimento dos professores”. É por isso que não vê motivo para que a junta de freguesia não tenha ainda feito o pagamento do mês de Novembro a esses três professores.
Confrontado com esta situação, Vasco Morgado admitiu ter de a confirmar “com os serviços da junta, mas que isso não deve de todo acontecer porque eles [os professores] estão cabimentados até ao final do ano e os compromissos vão-se manter”.