Banco de Portugal ameaça tomar medidas para travar crédito à habitação
Há sinais de alarme na redução de spreads e alargamento dos prazos que disfarçam taxa de esforço e que serão incomportáveis num cenário de subida de taxas de juro.
A concessão de empréstimos à habitação está a crescer acima de dois dígitos e o Banco de Portugal (BdP) mostra-se preocupado com o ritmo de concessão, mas, fundamentalmente, com a maior facilidade com que é atribuído esse crédito, de que podem resultar problemas graves num cenário de subida de taxas de juro. E esse cenário pode colocar-se a partir de finais de 2019.
Há dois factores que estão a preocupar o supervisor - a redução dos spreads e o alargamento do prazo dos contratos -, que têm como resultado imediato a apresentação de taxas de esforço (percentagem do rendimento disponível para pagar os encargos do empréstimos) aceitáveis. Mas são apenas aceitáveis num cenário de taxas de juros baixas como o actual, em que a Euribor está negativa.
Mas essas taxas de esforço serão incomportáveis num cenário de subida de taxas de juros, que já esteve mais longe, e em face de outros riscos, como situações de desemprego. Sobre a evolução das taxas de juro, o mercado antecipa, com base nos indicadores disponíveis, que a Euribor atinja valores positivos no final de 2019, iniciando a partir daí uma trajectória, que se espera suave, mas de subida.
É este mix de risco que preocupa o BdP e o leva a assumir a possibilidade de tomar medidas, uma subida de tom nas preocupações face a posições anteriores. Questionado pelo PÚBLICO, a entidade não adiantou que medidas poderá tomar.
A descida dos spreads é um exemplo da maior flexibilidade dos bancos na concessão de empréstimos, já que o torna mais acessível a um conjunto de clientes. “Nos últimos anos, em particular desde 2015, observa-se também uma compressão dos spreads dos novos empréstimos à habitação, o que reflecte, em larga medida, a concorrência entre bancos neste segmento”, refere o relatório, salvaguardando que, ainda assim, se situem muito acima dos níveis praticados antes da crise”, mas já “em níveis relativamente baixos no contexto da área euro”.
Relativamente aos prazos praticados nos novos empréstimos à habitação “destaca-se o recente aumento da maturidade média dos créditos para 33 anos no final de 2016, o que constitui um valor máximo no contexto europeu”.
Igualmente preocupante, é o facto de, desde 2014, se observar uma tendência de subida dos rácios médios o valor do empréstimo e o rendimento disponível. Ou seja, é cada vez maior a percentagem de rendimento do cliente destinada ao cumprimento regular das prestações de crédito. Isto faz com que uma redução do rendimento possa impedir o pagamento do empréstimo nas condições previstas, gerando incumprimento.
No que se refere ao rácio entre o serviço da dívida e o rendimento disponível na origem, “a sua relativa estabilização desde 2012 reflecte a evolução e o nível muito baixo das taxas de juro”, ou seja, muito vulnerável a uma inversão das taxas de juro. E sem especificar como, o BdP assume que é “neste quadro que pondera a adopção de medidas tendo em vista o reforço da avaliação da capacidade creditícia dos mutuários pelas instituições”.
No primeiro trimestre do corrente ano, a concessão de novos empréstimos à habitação registou um crescimento de cerca de 40% em termos homólogos e a percentagem de transacções de casas financiadas por recurso a crédito aumentou para 45%, face ao mínimo de 20% em 2013 (65% em 2009).
A preocupação do supervisor fica bem patente no comunicado que acompanha a o relatório de Estabilidade Financeira, divulgado esta quarta-feira, ao referir que “é fundamental que as instituições financeiras continuem a avaliar adequadamente e de forma prospectiva a capacidade de crédito dos mutuários, evitando a assunção de riscos excessivos nos novos fluxos de crédito, nomeadamente no crédito à habitação”. E logo acrescenta que sobre esta matéria em concreto, “o Banco de Portugal pondera adoptar medidas com vista ao reforço da avaliação, pelas instituições de crédito, da capacidade creditícia dos mutuários particulares”.
Esta tomada de posição acontece a poucos dias de entrar em vigor de um conjunto de normas que pretende reforçar as responsabilidades do sistema financeiro no que se refere à concessão de crédito à habitação, que resultam da transposição de directivas europeias. Essas normas revelam-se, afinal, insuficientes face ao momento que se vive actualmente no mercado de crédito nacional e que resulta de uma maior concorrência bancária.
"Os desenvolvimentos do preço no mercado imobiliário podem acarretar riscos para a estabilidade financeira na medida em que conduzem ao relaxamento dos critérios de concessão de crédito à habitação num contexto de elevado endividamento das famílias", E com base na análise à capacidade financeira das famílias, a instituição liderada por Carlos Costa refere que existe “uma percentagem significativa de famílias com níveis endividamento muito elevado face ao seu rendimento, em vários estratos”. E as famílias de mais baixos rendimentos “estão numa situação especialmente vulnerável a qualquer factor susceptível de reduzir o nível de rendimento ou aumentar as taxas de juro de curto prazo”. Também “as famílias de rendimento intermédio são particularmente sensíveis à subida das taxas de juro do crédito à habitação”, destaca.
O regulador refere que "importa assegurar que as actuais dinâmicas do crédito à habitação e da economia, em particular do mercado imobiliário, não comprometem, por um lado, a redução do ainda elevado rácio de endividamento dos particulares, e, por outro lado, não promovem a acumulação de risco excessivo no balanço dos bancos e a excessiva alocação de recursos da economia no sector imobiliário".
Relativamente ao mercado imobiliário, o Banco de Portugal refere que os preços cresceram cerca de 20% entre final de 2013 e Junho de 2017 e apesar de os considerar "próximos dos níveis justificados pelos fundamentos", não afasta a "possibilidade de existirem apreciações.
No primeiro trimestre, a concessão de novos empréstimos à habitação registou um crescimento de cerca de 40% em termos homólogos e a percentagem de transacções de casas financiadas por recurso a crédito aumentou para 45%, face ao mínimo de 20% em 2013 (65% em 2009).
Apesar de as novas operações de créditos à habitação estarem a aumentar desde 2013 e a acelerar desde 2015, o stock de crédito à habitação continua a diminuir, devido às amortizações e ao vencimento de empréstimos que supera as novas operações.