Tempo de serviço, avaliação e progressão

No Ensino Superior e Ciência estamos muito atentos ao que se está a passar.

Muito se tem falado sobre o tempo de serviço e os limites do orçamento (o regresso da TINA, mas com afeto). No Ensino Superior e Ciência estamos muito atentos ao que se está a passar. Falemos então de viver acima das possibilidades.

No Ensino Superior temos as carreiras em que se implementaram os sistemas de avaliação de maior escrutínio de toda a Administração Pública. Tudo o que um docente ou investigador faz só é válido se for comprovado factualmente através de um qualquer papel. Essa prevalência aplica-se a tudo, seja a internacionalização, a investigação, a gestão de projetos, as publicações, os cargos de gestão, a orientação do máximo de teses e estágios, bem como uma série de outras tarefas.

É um mundo de uma exigência que passa pelos próprios e pelas expetativas criadas pela sociedade. É também um mundo de uma imensa burocracia, em que ao esforço de fazer acresce a obsessão pelo papel (Franz Kafka terá afirmado que para um homem moderno, secular e não religioso, a burocracia estatal é o único contato que resta com a dimensão divina).

Conseguir uma avaliação de desempenho com nota de Excelente não é para todos. É verdade que os reitores e presidentes dos politécnicos reservaram para si uma avaliação automática de Excelente (o que já deveria ter merecido uma intervenção da tutela e dos tribunais). Também se tornou evidente que é muito difícil conseguir uma avaliação de Excelente sem o desempenho de cargos de gestão. Tudo sinais da autocracia institucionalizada, que os regulamentos de avaliação reforçaram e que procurou fragmentar o poder negocial dos docentes e investigadores

Importa também perceber que este é um setor em que os docentes e investigadores são participantes efetivos no financiamento do sistema. Para o ano de 2018 espera-se que conquistem cerca de 600 milhões de euros, metade dos quais em projetos europeus. Note-se que existe ainda um impacto multiplicador desta receita. Calcula-se que por cada euro investido no ensino superior resultem quatro euros de benefício para os locais onde operam as instituições. Estamos muito para lá da mera provisão da educação e do conhecimento.

Se no geral da Administração Pública o direito à progressão dá-se a partir dos dez pontos, há quem queira colocar restrições financeiras que podem obrigar a que no Ensino Superior a progressão só surja com dois Excelentes. Na carreira de investigação científica não ficou sequer prevista a possibilidade de progressão (falar em Kafka é sem dúvida olhar para este sistema).

Dir-nos-á alguém que as progressões têm custos. No caso do Ensino Superior e Ciência, o valor calculado para 2018 é de 17 milhões de euros, ou seja, 0,8% de um orçamento que supera os dois mil milhões e onde quase metade resulta de receitas próprias. Com 5% do que angariamos em projetos seria possível fazer face a tal despesa.

Note-se que dessa progressão resultam diversas limitações, que não apenas as inscritas no Orçamento do Estado para 2018. Por exemplo, os colegas que progrediram pela obtenção da agregação viram o seu vencimento diminuir por efeito do IRS. É um caso concreto em que o mérito resulta caro, para o próprio. Em jeito de comédia iídiche, ainda tiveram de escutar uma reclamação do conselho de reitores.

Tempo de serviço são manhãs e noites no laboratório e na sala de aulas. Muito trabalho que espera por ser reconhecido há nove anos (e nalguns casos há 13). É um longo tempo de serviço, num trabalho de exigência extrema. Se não investirmos num sistema que avance para o caminho certo, o resultado será o afastamento de quem trabalha e bem (a ilusão do stock de doutorados, que alimenta a ideia autocrática de que virão outros, é de si sintomática sobre a qualidade do futuro que surge do que está instituído).

O prejuízo sobre o muito que damos não resulta de qualquer reclamação dos professores do básico e secundário. As contas pedem-se a quem alimenta um sistema que de justo tem muito pouco e que promove uma desvalorização galopante.

Há poucos dias, um jornal económico anunciava ainda nove mil milhões de euros para financiar o desastre bancário. Claro que estamos atentos e a tudo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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