Trump furioso com absolvição de mexicano deportado cinco vezes

José Inez Garcia Zarate disparou uma pistola acidentalmente e matou a norte-americana Kathryn Steinle, um caso que foi usado por Donald Trump durante a campanha. Agora, um tribunal ilibou-o da acusação de homicídio.

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O Presidente dos EUA falou muito sobre este caso durante a campanha LUSA/AL DRAGO / POOL

Um mexicano que está ilegalmente nos Estados Unidos há pelo menos 26 anos, e que foi expulso do país cinco vezes, foi absolvido da acusação de homicídio de uma mulher norte-americana, no Verão de 2015. Num comentário a esta decisão, que reacendeu o debate sobre a imigração no país, o Presidente Donald Trump fala em "vergonha".

"Uma decisão vergonhosa no caso da Kate Steinle! Não admira que o povo do nosso país esteja tão furioso com a imigração ilegal", escreveu o Presidente norte-americano na rede social Twitter.

O caso remonta a 1 de Julho de 2015, quando Kathryn Steinle, de 32 anos, passeava num dos cais do porto de São Francisco com o pai e um amigo. A meio desse passeio, Kathryn Steinle foi baleada nas costas e acabou por morrer duas horas mais tarde no hospital. A bala que a matou foi disparada de uma arma que estava na posse de José Inez Garcia Zarate – um mexicano condenado por sete crimes nos Estados Unidos e deportado cinco vezes desde 1991.

Quando foi capturado, uma hora depois do disparo, Zarate disse à polícia que tinha encontrado a pistola no cais, debaixo de um banco e embrulhada num pano, e que o disparo tinha sido acidental. Na sequência da investigação, a polícia descobriu que a pistola tinha sido roubada quatro dias antes do interior de um jipe da agência que administra os terrenos públicos – o agente tinha ido jantar com a família a um restaurante na baixa de São Francisco e deixou a pistola numa mochila, debaixo do banco da frente.

As cidades-santuário

O caso foi usado pelo então candidato à nomeação pelo Partido Republicano, Donald Trump, como o exemplo perfeito do que ele e muitos dos seus apoiantes consideram ser a irresponsabilidade das cidades que protegem os imigrantes sem documentos – as chamadas cidades-santuário. Nestas cidades, como São Francisco, as autoridades locais dão instruções aos agentes para que não questionem os cidadãos sobre o seu estatuto legal – a ideia original, lançada no final da década de 1970, é reforçar as comunidades locais dando liberdade aos imigrantes sem documentos para denunciarem crimes e colaborarem com as autoridades sem receio de virem a ser deportados.

Esta regra dificulta a comunicação entre as autoridades locais e a agência federal de imigração, o que teve implicações no caso de José Inez Garcia Zarate. Três meses antes da morte de Kathryn Steinle, Zarate tinha sido entregue ao departamento do xerife de São Francisco para enfrentar uma acusação de posse e venda de marijuana que tinha sido aberta há 20 anos – no final do processo, Zarate foi posto em liberdade apesar de a agência federal de imigração ter pedido ao gabinete do xerife que o mantivesse sob custódia, para que pudesse ser detido e, em princípio, ser deportado pela sexta vez desde 1991. Mas, no caso da cidade de São Francisco, as regras para a colaboração com a agência de imigração excluíam o caso de Zarate – para que ele pudesse ser entregue à agência federal, era preciso que existisse uma acusação contra ele referente a um crime violento cometido recentemente e uma condenação antiga por um crime violento.

E é este o ponto em que um acidente se cruza com o debate sobre a imigração ilegal, que no Verão de 2015 lançou Donald Trump para a vitória nas eleições presidenciais com as suas promessas de construir um muro na fronteira com o México e deportar milhões de imigrantes sem documentos – para muitos americanos, se a fronteira já estivesse fechada à chave, e se não existissem cidades-santuário, Zarate nunca teria entrado e saído dos Estados Unidos cinco vezes ao longo de 26 anos, pelo que Kathryn Steinle ainda estaria viva.

Do outro lado da discussão, um dos advogados de defesa de Zarate, Francisco Ugarte, disse que "este caso foi usado desde o primeiro dia para fomentar o ódio, a divisão e um programa de deportação em massa", e sublinhou que "nada na etnia do sr. Zarate, no seu estatuto de imigração e no facto de ele ter nascido no México têm qualquer relevância para o que aconteceu a 1 de Julho de 2015".

Esta semana, um júri decidiu que não havia provas suficientes para aceitar a acusação contra Zarate – o Ministério Público pedia uma condenação por homicídio e posse ilegal de arma de fogo, mas o tribunal só concedeu a segunda. Em vez de enfrentar prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional, Zarate enfrenta agora uma sentença máxima de três anos de prisão.

Apesar da pressão dos círculos políticos mais conservadores, o tribunal foi claro ao dizer que o estatuto de permanência de Zarate nos Estados Unidos não podia ser levado em conta no julgamento da morte de Kathryn Steinle – segundo o que foi dado como provado, Zarate é um cidadão sem nenhum processo de deportação pendente que encontrou uma pistola e a disparou acidentalmente, e não um perigoso imigrante que deve ser deportado, como defendeu Donald Trump no Verão de 2015.

Família aceita cidades-santuário 

Este é um caso muito particular porque as críticas à actuação das autoridades de São Francisco não se resumiram a Donald Trump e a outros candidatos à nomeação pelo Partido Republicano. A candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, e a senadora Dianne Feinstein, de São Francisco, criticaram duramente o gabinete do xerife da cidade: para as duas responsáveis, o xerife poderia e deveria ter respeitado o pedido da agência federal de imigração no caso de Zarate sem violar o estatuto de cidade-santuário, porque o espírito desse estatuto tem como objectivo proteger inocentes e não pessoas com cinco processos de deportação verificáveis.

Depois de ter ouvido a decisão do tribunal, a família de Kathryn Steinle disse que "Zarate foi levado perante a Justiça, mas não foi feita justiça".

Em Setembro de 2015, dois meses depois de Kathryn Steinle ter morrido, os seus pais e irmão deram uma entrevista ao jornal San Francisco Chronicle, onde fizeram questão de dizer que não se opõem ao estatuto de cidade-santário.

"Quando a mayor de então, Dianne Feinstein, propôs essa política, o objectivo era proteger os imigrantes cumpridores da lei, para que eles pudessem denunciar crimes e serem tratados nos hospitais", disse o irmão de Kathryn, Brad. "O objectivo era mantê-los em segurança – aos imigrantes cumpridores da lei – e manter a segurança pública em geral."

O pai e a mãe de Kathryn, Jim e Liz, reforçaram a mesma ideia: "Foi tudo feito pelos motivos certos. Somos um país de gente bondosa e havia pessoas a ser perseguidas na América Central. Percebo o que ela fez e concordo", disse Jim, referindo-se à então mayor de São Francisco, a actual senadora Dianne Feinstein.

"O objectivo nunca foi dar um porto de abrigo aos criminosos violentos", concluiu a mãe de Kathryn.

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