PCP e BE também criticaram sessão de avaliação do Governo
Cidadãos recrutados para participar no evento contratado pelo executivo e realizado na Universidade de Aveiro desvalorizaram a polémica.
Os cidadãos que participaram na sessão de perguntas ao Governo realizada, neste domingo, na Universidade de Aveiro (UA), e que suscitou várias críticas por parte da oposição, por contar com participantes remunerados e por ser paga pelos contribuintes, não quiseram alimentar a polémica em torno da iniciativa. Muito pelo contrário.
“O nosso Governo quis que dêssemos o nosso contributo. A Universidade de Aveiro assegurou a idoneidade e, em vez de nos preocuparmos com o facto de um Governo se dispor a fazer isto e alguns cidadãos se disporem a fazer a parte deles, estamos preocupados [em saber] se foi pago ou não foi pago. Acho vergonhoso”. Foi desta forma que Paulo Vília, um dos participantes seleccionados pela Aximage para participar na sessão de perguntas e avaliação do cumprimento das promessas do executivo, reagiu às questões dos jornalistas sobre as contrapartidas que — juntamente com os outros 49 cidadãos — receberá.
Também Filipa Plainas, uma jovem de Portalegre, estudante na Universidade de Aveiro, recusou alongar-se em comentários. Confirmou que irá receber, por esta participação, um “vale de compras”, mas disse não saber de que valor. O montante de 200 euros foi avançado pelo Sol e confirmado ao Observador por Jorge de Sá, da Aximage.
Quem também não quis alimentar a polémica foi Carlos Jalali, investigador da UA que coordenou o “inquérito quantitativo de avaliação ao segundo ano do Governo”. Ainda assim, na apresentação que proferiu no início da sessão, fez questão de contrariar as declarações da véspera do ministro Pedro Marques, assegurando que foi a Aximage, e não a UA, a entidade responsável pela definição da amostra. Já no final do encontro, em declarações aos jornalistas, explicou que “este tipo de exercício é, invariavelmente, subcontratado a empresas reputadas que fazem a selecção e organização logística do painel que vai participar no estudo”.
No que concerne à atribuição de contrapartidas aos participantes, afirmou desconhecer “os moldes exactos dos pagamentos que foram feitos”. De qualquer forma, referiu ser prática “habitual” haver “algum tipo de compensação para as deslocações e para o tempo”. “Eu próprio, quando era estudante na Universidade de Oxford, no Reino Unido, fiz algum dinheiro participando em estudos”, declarou.
Por 45.2020 euros
A polémica em torno da sessão foi levantada após o Sol ter revelado que o Governo iria ser avaliado por um grupo de cidadãos recrutado e pago pela Aximage, contratada por ajuste directo pelo executivo, por 45.202 euros, segundo o responsável da Aximage ouvido pelo Observador. A situação mereceu, de imediato, duras críticas por parte da oposição, que chegou a pedir o cancelamento da iniciativa. A líder do CDS-PP acusou neste domingo o Governo de “governar para a imagem, para a fotografia, para a propaganda”, ao pagar “com o dinheiro de contribuintes”, sob a forma de vales de compras, avaliações sobre a sua performance e perguntas” a si próprio, “fazendo lembrar os tempos das crianças contratadas como figurantes”. Assunção Cristas falava no encerramento da Escola de Quadros do CDS, iniciativa de formação de jovens que terminou neste domingo em Peniche.
Rui Rio, candidato à liderança do PSD, também não fugiu ao tema. Em Viana do Castelo, num encontro com militantes do Alto Minho, considerou que o aniversário dos dois anos do Governo estava a ser “muito mal” comemorado, com uma sessão pública “encomendada” que “demonstra falta de confiança”. Na opinião de Rio, “o Governo tem a consciência de que o balanço não é muito positivo: se o balanço fosse positivo, o Governo fazia uma sessão aberta, onde as pessoas livremente perguntavam aquilo que quisessem aos membros do Governo”.
PCP critica “promoção”
Também o PCP veio a terreiro, na noite de sábado, afirmar que a avaliação da acção do Governo deve ter “como preocupação e prioridade” a resposta aos problemas da população e do país, considerando “criticável a sua transformação em actos de promoção pública”. Num comunicado intitulado “Sobre a iniciativa de promoção do Governo”, o PCP assinala que a acção do executivo “deve ter como preocupação e prioridade a resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do país”.
“A realização de estudos de avaliação da acção do Governo e da perspectiva futura, exigindo sempre apreciação concreta quanto aos seus termos e forma, não pode estar desligada daqueles objectivos, sendo criticável a sua transformação em actos de promoção pública”, lê-se ainda no texto do PCP.
Já a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, disse ver “com alguma estranheza” o modelo da iniciativa do Governo para assinalar os dois anos de mandato, recomendando-lhe o usado pelos bloquistas: sessões abertas a quem queira participar. Ainda assim, Catarina Martins disse que gostaria que a comunicação social dedicasse tanto tempo aos lucros da EDP ou à cooperação estruturada permanente, que está a ser decidida na Europa, como tem dedicado a este focus group.
Presidente "acima disso tudo"
Quem se recusou a falar sobre o assunto foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “É uma matéria que não comento, o Presidente da República coloca-se noutro plano, acima disso tudo. Há problemas tão importantes dos portugueses, e são esses problemas que preocupam o Presidente da República, de facto. E alguns deles ficaram mais visíveis com as tragédias recentes”, destacou, em declarações aos jornalistas no Marco de Canaveses, onde participou numa homenagem a António Francisco, bispo do Porto, falecido em Setembro.
“Recrutar tem um preço”
Marina Costa Lobo, organizadora do evento que assinalou o 1.º aniversário do Governo — realizado no ano passado, em Lisboa — comentou neste domingo, no Facebook, que “recrutar, trazer para o local do encontro, etc., 50 pessoas tem um preço. E as pessoas são hipócritas se se julgarem muito surpreendidas por isto (...) Esse custo não invalida o exercício que ainda hoje creio trouxe questões importantes”, escreveu a investigadora do Instituto de Ciências Sociais, depois de ter lembrado que, há um ano, “por esta altura”, organizou “uma consulta aos cidadãos que seguiu um formato independente”.
“Não foi, ao contrário do que se disse na altura, um frete ao Governo”, argumentou Marina Costa Lobo, que fez ainda questão de frisar que “existe um relatório exaustivo sobre as conclusões do primeiro encontro onde todo o procedimento, metodologia e conclusões pode ser consultado”.
Esta tomada de posição mereceu um comentário por parte do ex-ministro Miguel Poiares Maduro, que considerou que o que estava em causa era, “claramente, uma avaliação política e não de políticas públicas”. “Neste caso, acho legítimo que o Partido Socialista o faça, mas não que o Governo use fundos públicos para esse fim”, escreveu o ex-ministro do executivo de Passos Coelho.
No entender de Poiares Maduro, “a associação entre a avaliação, ‘estudo’ e cerimónia de comunicação e celebração dos dois anos do governo implica uma óbvia instrumentalização. Seja da dimensão científica para fins de uma iniciativa política (a opinião pública não vai distinguir), seja dos próprios cidadãos participantes (que num contexto de uma cerimónia deste tipo com o Governo nunca sentirão a mesma liberdade para questionar e criticar o Governo que num contexto genuinamente independente)”.