Só 20 trabalhadores estão dispostos a mudar para o Porto

A quase totalidade dos trabalhadores do Infarmed não concorda com a mudança da sede do organismo para o Porto. Estão preocupados com a possibilidade de terem de abandonar ou as suas vidas na capital ou o trabalho que cumprem há anos.

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daniel rocha

“Os meus filhos ficaram na escola a chorar”, contou ao PÚBLICO Alexandra Pimentel, gestora de processos de ensaios clínicos no Infarmed há 12 anos. “Se nós nos sentimos perdidos a lidar com esta situação, eles muito mais: sabem que ou têm de mudar de escola e afastar-se dos avós e de todos os pilares que têm ou então vão ficar longe da mãe”, dizia à saída de uma conferência de imprensa da Comissão de Trabalhadores (CT) na noite desta quarta-feira, onde ficou claro que a quase totalidade dos trabalhadores não concorda com a mudança para o Porto. “Toda a minha vida está estruturada em Lisboa e não sei como vai ser.”

Depois de ter sido anunciada na terça-feira a decisão inesperada de mudar a sede do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde de Lisboa) para o Porto, os trabalhadores reuniram-se nesta quarta em plenário para discutir a decisão e chegou-se à conclusão que 97% não concordam com a mudança para o Porto — e só 20 deles estão dispostos a mudar.

Na reunião, que se iniciou depois de um encontro entre a Comissão de Trabalhadores, o Conselho Directivo e o ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, foram feitas duas perguntas aos 312 funcionários presentes (92% do total): “Concorda com a mudança do Infarmed para a cidade do Porto?” e “Se essa relocalização ocorrer está disponível para mudar?”

A resposta a ambas por parte dos funcionários foi um taxativo não. Dos 321 trabalhadores presentes, 312 disseram não à primeira pergunta (apenas oito disseram sim) e 291 disseram não à segunda (apenas 20 responderam de forma afirmativa).

“Estes resultados demonstram a inequívoca união dos nossos trabalhadores perante uma situação inesperada e para a qual não foi apresentada qualquer fundamentação técnica”, refere o comunicado da Comissão de Trabalhadores.

E deixa um recado ao ministro Adalberto Campos Fernandes. “Dado que 97% dos trabalhadores reunidos em plenário não concordam com a eventual transferência, esperamos que o senhor ministro da Saúde seja consequente com o compromisso assumido, em reunião realizada hoje, de que não será tomada nenhuma decisão definitiva que ponha em causa a missão do Infarmed e o respeito pela vontade manifestada pelos seus trabalhadores."

"O Infarmed são as pessoas"

Na conferência de imprensa já ao final do dia, o coordenador da Comissão de Trabalhadores, Rui Spínola, afirmou que “não está em causa o lugar”, mas sim a mudança.

“Há uma série de riscos e, se a mudança acontecer, terá um impacto muito significativo. Essa situação [a operação do organismo] está evidentemente comprometida", disse, por sua vez, Bruno Cordeiro, do departamento jurídico do Infarmed. A plateia, maioritariamente constituída por funcionários do organismo regulador, aplaudiu efusivamente.

No final da conferência, Rui Spínola agradeceu a massa humana presente: "Vocês é que fazem o Infarmed. O Infarmed não é um código postal entre quatro paredes. São as pessoas."

E essas pessoas não concordam com a mudança inesperada. “O que o senhor ministro quer fazer é pegar na tabuleta do Infarmed que temos à porta e levá-la para o Porto”, protesta o técnico superior Luís Custódio, que trabalha no instituto público há 17 anos, quase 18, e considera que “o ministro não quer saber das pessoas”.

“Ter de ir para o Porto é impensável”, assegura ao PÚBLICO, admitindo que lhe custa tirar os seus dois filhos (de 11 e oito anos) da escola e levá-los para uma cidade diferente.

Luís Custódio foi uma das 291 pessoas que se mostraram indisponíveis para mudar para o Porto.

“Se o conhecimento técnico e o empenho destes 300 funcionários desaparecer, de um dia para o outro, isto põe muito em risco a saúde pública”, argumenta ainda. “Se só forem 20 pessoas, o Infarmed perde-se porque perde o conhecimento das restantes”, conclui. 

Perda de quadros

No encontro, os funcionários identificaram, “desde já”, cinco riscos. A perda de quadros “altamente experientes” e qualificados com impacto na continuidade das actividades; a dificuldade de coordenação e articulação “quer a nível interno como externo com os principais parceiros”; a perda de influência no contexto europeu – sendo esta uma altura de especial exigência por causa do Brexit e a saída da Agência Europeia do Medicamento de Londres –; a perda de competitividade e do reconhecimento internacional.

Nesta última, a Comissão de Trabalhadores destaca a “perturbação nas actividades nacionais e internacionais relacionadas com a indústria farmacêutica nacional e a sua internacionalização, criando reais constrangimentos à exportação de medicamentos”.

No comunicado, a Comissão de Trabalhadores desmente também a ideia de este fosse o plano já pensado, referindo que o Plano estratégico do Infarmed para 2017-2019, homologado em 29 Setembro pelo ministro da Saúde não previa qualquer transferência. “Desconhecemos os fundamentos desta decisão, qual o benefício para o desempenho da missão do Infarmed e para o sector da Saúde em Portugal.”

O conselho directivo e os cerca de 350 trabalhadores da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) só souberam nesta terça-feira que a sede deste instituto público ia mudar de Lisboa para o Porto. Ou seja, no mesmo dia em que o ministro da Saúde e o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, o anunciaram publicamente. Segundo o Expresso online, Rui Moreira usou o seu perfil privado no Facebook para reagir ao “ressabiamento de alguns” após ter sido confirmada a deslocação da sede do Infarmed, bem como a maioria dos seus serviços, para o Porto.

A data da mudança está marcada para Janeiro de 2019 e a ideia é que permaneça um pólo em Lisboa.

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