Rally-paper
Entre a comédia screwball americana e o drama familiar latino, Coco saca alguns momentos de eleição que merecem ser colocados no pódio clássico da Pixar.
Estão a ver aqueles primeiros dez e maravilhosos minutos de Up! (2009), o filme da Pixar sobre a casa voadora do velhote que passou a vida sem ir a lado nenhum? Os dez minutos em que, sem precisar de diálogos, assistimos a uma vida inteira a passar com todas as suas alegrias e tristezas? Em Coco, a mais recente obra da produtora americana, esses dez minutos maravilhosos estão exactamente no fim do filme. E são tão maravilhosos que merecem enfileirar com os grandes momentos da história do estúdio, que tem andado aos solavancos desde Toy Story 3 (2010). (Pormenor não dispiciendo: o realizador principal de Coco, Lee Unkrich, foi também o realizador da terceira e, provavelmente, melhor aventura de Woody o cowboy, Buzz Lightyear e amigos.)
Não vamos revelar aqui em que consistem tais dez minutos (spoiler oblige). Mas sempre podemos dizer que, tal como os dez primeiros minutos de Up! colocavam uma fasquia à qual o que se seguia nem sempre conseguia chegar, também em Coco tudo aquilo que acontece ao nosso herói Miguel segue demasiado à risca o caderno de encargos da animação familiar, sem dar a entender que o final vai lançar tudo para outra órbita. Miguel, benjamim de uma grande família mexicana, sonha em ser músico, mas a música é coisa proibida em casa dos Rivera desde que o trisavô seguiu o chamamento da fama e abandonou a família para nunca mais dar notícias, e o miúdo está prometido, contra sua vontade, a seguir a mesma carreira de sapateiro de toda a gente na família.
Tudo muito corriqueirozinho — o miúdo que se vê forçado a escolher entre ser igual aos outros e ser ele próprio — até que a acção se transfere de armas e bagagens para o Além mexicano, a Pixar mete o turbo da animação e Coco se torna numa espécie de rally-paper entre a comédia screwball e o drama familiar, entre os ritmos da animação clássica e o respeito pela cultura tradicional mexicana (à qual o estúdio empresta a sua habitual e prodigiosa atenção ao detalhe).
Tudo isso chegaria para ultrapassar a dimensão genérica-Disney de uma história de miúdo a aprender a crescer, mas não a sensação algo resignada (e perfeitamente natural) de que os “anos de ouro” da Pixar já ficaram lá para trás. E aí, pimba!, Coco descola para os tais dez minutos finais, tudo o que ficou para trás ganha um novo sentido, e por dez minutos acreditamos que o estúdio ainda é capaz de regressar aos anos de ouro de À Procura de Nemo ou Wall-E. Provando que não há razão para desistirmos dos comparsas de John Lasseter, mas que continua a ser boa ideia temperarmos o entusiasmo.