O perfume do impeachment
Há razões fortes para não avançar já para um impeachment. Tácticas e estratégicas. Mas o terreno está a ser preparado e muito, apesar de discretamente, nas últimas semanas.
Esta quarta-feira, seis congressistas democratas submeteram à Câmara dos Representantes cinco artigos de impeachment contra o Presidente Donald Trump. Nenhum dos grandes jornais de referência americanos considerou o facto “fit to print”, como diz a primeira página do New York Times desde 1897. Se não fosse a CNN, eu não saberia.
Percebe-se. Esta não foi a primeira e não será a última vez que congressistas democratas, mais ou menos isolados, avançam para aquilo que, como se diz nos EUA, “os eleitores entendem”. Um impeachment, sendo complicado do ponto de vista processual, é politicamente simples. Os democratas estão em minoria na Câmara dos Representantes e no Senado e sabem que ainda são raros os republicanos dispostos a “virar” publicamente. As intercalares são daqui a um ano e muitos têm medo de perder o lugar “se traírem” o Presidente. Conhecem o seu estilo rottweiler, violento e vingativo.
O momento para avançar ainda não chegou. Muitos democratas acham que é prematuro e querem esperar pelo fim do trabalho do procurador especial Robert Mueller, que está a investigar a interferência russa nas presidenciais de 2016 e até que ponto Trump está envolvido. Uns acreditam que os factos cruciais ainda não estão em cima de mesa; outros querem ter o prazer de ver Trump suicidar-se, sem a ajuda de ninguém. Muitos defendem que a melhor estratégia é centrar a mensagem na economia e não em Trump, uma vez que o ataque concertado do passado resultou na derrota do partido em todas as frentes: Casa Branca, Senado e Câmara de Representantes. Iniciar um processo antes de tempo (leia-se, antes das eleições de 2018) poderia reforçar Trump, tornando-o um rival ainda mais feroz e popular. Há a memória dos anos 1990, quando Bill Clinton subiu nas sondagens após o impeachment ter começado e a seguir os democratas ganharam lugares no Congresso).
Mas as movimentações dos últimos meses não podem ser ignoradas com o argumento de que são estéreis ou isoladas. Não são uma tendência, mas são politicamente relevantes: podem vir a ser decisivas no momento em que Mueller der por terminada a sua investigação. Nos próximos dias, será a vez de a directora de comunicações de Trump, Hope Hicks, depor à porta fechada e sob juramento.
Por ser a terceira vez, não foi notícia. Mas vale a pena ficar escrito. Em Julho, foram submetidos à Câmara de Representantes (em cuja Comissão dos Assuntos Judiciais é dado o primeiro passo do processo) os primeiros artigos de impeachment, depois de Trump ter despedido o director do FBI James Comey, que investigava o “affair russo”. A iniciativa foi de Brad Sherman, um democrata da Califórnia. Em Outubro, foi a vez de Al Green submeter artigos para um impeachment, argumentando que Trump estava a semear divisões raciais no país e tinha um “historial de incitamento ao supremacismo branco, ao sexismo, ao ódio, à xenofobia e ao racismo”. “Não peço o apoio de ninguém. Às vezes, temos de fazer as coisas sozinhos”, disse. E esta semana avançou Steve Cohen, do Tennessee, com o apoio de Green, Marcia Fudge (Ohio), John Yarmuth (Kentucky) e Adriano Espaillat (Nova Iorque). “Dada a magnitude da crise constitucional, não vemos razão para mais demora”, disse Cohen. Na sua avaliação, Trump é “unfit” para ser Presidente por várias razões, mas cinco justificam um julgamento no Congresso: obstrução da Justiça (quando despediu Comey); violação das leis que proíbem os funcionários públicos de receberem presentes de governos estrangeiros sem consentimento do Congresso e que impedem os presidentes de obterem lucros como resultado do desempenho da função); ataques contra o sistema judicial e ataques contra os media.
Do lado republicano as movimentações são ainda mais interessantes. Dois senadores anunciaram que não vão recandidatar-se nas intercalares, prometendo usar bem o seu tempo até Janeiro de 2019, livres da pressão eleitoral e da lealdade a Trump. Um deles preside à Comissão dos Negócios Estrangeiros. A estes juntam-se 14 congressistas. São casos muito díspares. De todos, o que importa é Bob Goodlatte, presidente da Comissão dos Assuntos Judiciais na Câmara dos Representantes. Exacto, onde começam os impeachments. O perfume do impeachment tornou-se cada vez mais intenso, com a ajuda do bilionário ambientalista Tom Steyer, que lançou uma campanha de dez milhões de dólares nos canais de cabo nacionais com um apelo aos democratas: trabalhem para um impeachment. É neste contexto que, depois de ver chumbada no Senado a sua tentativa de destruir o Obamacare, Trump quase não conseguiu aprovar o seu pacote fiscal.
Hoje, quando Trump está há exactamente 300 dias na Casa Branca, ja não se pode dizer que no Congresso estejam todos a dormir.