Clandestinidade passou a ser o maior problema da construção

Apesar de transversal, é no segmento da reabilitação urbana que o problema da economia paralela surge com maior força. Associação cria marca de verificação para “separar trigo do joio”.

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Nelson Garrido

Já não é a falta de obras e já não é a dificuldade no acesso ao crédito. Agora o principal problema com que se debate o sector da construção é a concorrência desleal e a forma como empresas e trabalhadores por conta própria estão no terreno a prestar serviços à margem do mercado e com total impunidade. São entidades que concorrem de forma clandestina com todos os que, estando devidamente constituídos e estruturados, são visíveis e são objecto de fiscalizações sucessivas, enquanto que os primeiros são desconhecidos das entidades fiscalizadoras.

E é por considerar que a regulação que fazem entidades oficiais como o IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção ou a fiscalização que deveria ser feita por todas as câmaras municipais são “manifestamente insuficientes” para combater a clandestinidade no sector da construção, que a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) criou, com o apoio dos fundos comunitários, uma marca que pretende que funcione como uma certificação de empresas e combata a clandestinidade no sector.

Ao PÚBLICO, o presidente da AICCOPN, Manuel Reis Campos, que é também o presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário (CPCI), diz que a marca RU - IS (Reabilitação Urbana Inteligente e Sustentável) “tem tudo a ver com clandestinidade”. E avisa que só as empresas que a merecerem é que vão poder beneficiar das linhas de crédito que vão ser disponibilizadas através do programa Casa Eficiente, que deve arrancar no mercado no início do próximo ano. Trata-se de uma linha de 200 milhões de euros, financiada pelo BEI e que será distribuída pela banca comercial, num processo coordenado pela CPCI e que integra o pacote da Nova Geração de Políticas de Habitação” lançado pelo actual Governo. “Era o que mais faltava que andasse o Estado a financiar-se e a pedir empréstimos para permitir que empresas continuem a trabalhar à margem da lei”, avisa Reis Campos.

O combate à concorrência desleal, à sinistralidade laboral e à clandestinidade é assumida em todos os segmentos do sector, mas Reis Campos não escamoteia que a situação ganha maior relevância no segmento da reabilitação urbana - também porque uma grande parte das obras particulares não está sujeita ao crivo do licenciamento municipal. O sector da construção perdeu 37 mil empresas e 260 mil postos de trabalho no longo ciclo de crise que atravessou. As obras de maior dimensão continuam a escassear, a reabilitação urbana é, mais do que uma prioridade, uma oportunidade para o sector.

É difícil perceber a dimensão da informalidade, nas há alguns números que ajudam a enquadrá-la. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o número total de empresas de construção era em 2015 de 75.626 e em 2016 de 75.705 empresas. Em 2015 o IMPIC deu alvará a 47 214 empresas, a 50.443 em 2016, e a 28 de Abril de 2017 eram 51.566 que possuíam este título habilitante, e obrigatório. Ou seja, 33% das empresas está no mercado sem o alvará obrigatório.

Há outros dados “desconcertantes”. Nos primeiros meses do ano o licenciamento de obras de reabilitação e demolição exibia um crescimento de apenas 1,4% em termos homólogos, enquanto que a construção nova cresceu mais de 20%. E, nas estatísticas de emprego, constata-se que o sector perdeu mais de 19 mil trabalhadores no último trimestre, quando tinha ganho 17 mil no trimestre anterior. “Mas alguém acredita nisto? Alguém acredita que a reabilitação só cresceu 1,4%? Ou que o sector perdeu gente?”, reclama o presidente da CPCI, para quem só a clandestinidade justifica números tão surpreendentes.

As empresas que pretendam aderir ao RU-IS terão de cumprir uma série de critérios legais e assinar um código de conduta que as responsabiliza em termos éticos. “Queremos cada vez mais empresas qualificadas com a marca RU-IS, mas também queremos que o mercado reconheça esse esforço e esse valor”, explica Reis Campos, acrescentando que a credibilidade das empresas e do sector não pode ser manchada pelas consequências que decorrem do trabalho clandestino.

A qualificação RU-IS será um mecanismo de diferenciação de empresas, que atesta elementos essenciais como a existência de alvará, seguro e serviços de segurança e saúde no trabalho. A marca foi criada em 2016, altura em que a AICCOPN apresentou uma candidatura ao Norte 2020. Agora, que os regulamentos estão fechados e a plataforma está criada, já está a receber pedidos de adesão das construtoras.

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