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Firmas acusadas de corromper militares continuarão a fornecer Forças Armadas

Cinco altas patentes envolvidas na Operação Zeus terão lucrado 354 mil euros, mas prejuízo para o Estado ultrapassa muito os 2,5 milhões, diz Ministério Público.

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Fernando Veludo/nFactos

As empresas que forneciam as messes da Força Aérea e foram acusadas no âmbito da Operação Zeus de corromperem mais de quatro dezenas de militares, alguns deles de alta patente, vão poder continuar a prestar serviços quer às Forças Armadas quer a outras entidades públicas com que já trabalham, como a PSP e a GNR.

Enquanto não forem condenadas em tribunal poderão até ganhar novos concursos públicos, porque nem o Código de Contratação Pública nem nenhum outro instrumento legal prevêem que o Estado possa lançar mão de qualquer medida cautelar para as impedir de concorrer. Os únicos contratos de que poderão vir a ser afastadas, enquanto as suspeitas do Ministério Público não forem confirmadas por juízes, são os que forem feitos por ajuste directo, procedimento através do qual o Estado convida algumas empresas a apresentarem propostas para a prestação de serviços.

A presunção de inocência

“Enquanto correm os processos e recursos até ao trânsito em julgado das sentenças condenatórias as referidas empresas têm o cadastro limpo, e vigora a presunção de inocência, não sendo possível impedir a sua participação e eventual adjudicação em concursos públicos”, explica um jurista especializado em contratação pública, acrescentando que só nos ajustes directos os organismos públicos têm margem de discricionariedade para as afastar.

Um advogado também especialista nesta área concorda: “Nesta fase não existe nenhum mecanismo legal que possa ser usado para pôr em causa a idoneidade destas empresas”, que também fornecem alguns agrupamentos escolares, politécnicos e municípios.

Quando soube que também tinha adjudicado serviços a uma destas empresas, a Marinha ainda questionou o juiz de instrução criminal que está a acompanhar o caso, que apenas diz respeito à Força Aérea. Queria saber se ele lhes tinha imposto medidas de coacção que lhe permitissem excluí-las dos concursos. O magistrado respondeu que não existem mecanismos legais que permitam fazê-lo. Além da Marinha, o PÚBLICO questionou também sobre este assunto a Força Aérea, a PSP e a GNR, mas mais ninguém respondeu.

Durante a fase de investigação, que terminou há menos de uma semana, o Ministério Público deparou-se com denúncias anónimas segundo as quais empresas do ramo alimentar como a Pac & Bom, a Doce Cabaz, a Aires Cardoso e a Fruta da Aldeia também corrompiam funcionários públicos de outras instituições que não a Força Aérea. “No entanto, nada de concreto foi trazido aos autos, não havendo elementos concretos que, por ora, corroborem tais imputações", escreveu o procurador-adjunto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) titular do processo, Valter Alves.

Uma “prática enraizada”

Apesar de ter vigorado durante cerca de uma década, entre 2006 e 2017, em messes daquele ramo das Forças Armadas um pouco por todo o país, o esquema descrito ao longo das mais de 300 páginas da acusação corresponde, segundo o magistrado, a uma “prática enraizada”. Que passava por as firmas fornecedoras das messes cobrarem à Força Aérea montantes superiores aos bens alimentares efectivamente entregues. O lucro era depois dividido entre as empresas e os militares envolvidos.

No topo desta associação criminosa estava um major-general na reserva, Raul Carvalho, e quatro outras altas patentes, coronéis e tenentes-coronéis, garante o Ministério Público. Todos integravam a divisão de abastecimento e transportes da Força Aérea. Pelas contas da acusação só estes cinco militares de alta patente terão arrecadado de forma ilícita perto de 354 mil euros, mas o prejuízo total causado ao erário público será “significativamente superior” a 2,5 milhões. Além de corrupção activa e passiva, estão em causa os crimes de associação criminosa, falsificação de documentos e falsidade informática. Doze arguidos estão em prisão preventiva.

Ao mesmo tempo que fechavam os olhos aos produtos facturados em excesso pelos fornecedores, os responsáveis das messes punham dinheiro vivo de lado para entregar aos coronéis e ao general da divisão de abastecimento, que era suposto fiscalizar a sua actividade. As notas circulavam de um lado para o outro em envelopes e sacos, mas não só: na garagem de um sargento da base aérea de Monte Real foram encontrados “vários baldes de dimensões diversas contendo moedas no montante de 23.330 euros”, dinheiro pago pelos fornecedores como compensação para a sobrefacturação.

Conta-corrente para bebidas e camarão

“Para além da entrega de dinheiro aos militares, em algumas ocasiões a sobrefaturação gerava uma conta-corrente que permitia a troca de alimentos”, descreve o Departamento de Investigação e Acção Penal. Esse saldo excedentário permitia depois aos militares agora sob suspeita “obter alimentos que não faziam parte dos concursos públicos, como bebidas alcoólicas, camarão e carne de valor superior, entre outros produtos” alimentares.

Estes mantimentos eram depois usados “em eventos especiais determinados pelos comandantes, para satisfazer pedidos especiais, para eventos de lazer” de carácter particular realizados nas bases aéreas. Havia militares e civis que pagavam para entrar nestas patuscadas, ignorando que na sua origem estava um esquema de corrupção.

“O retorno de tais eventos não revertia na totalidade para o Estado, sendo dividido em numerário entre os militares e civis que trabalhavam em tais eventos, e pelos respectivos superiores hierárquicos”, pode ler-se na acusação, que menciona as bases aéreas de Sintra, Monte Real, Montijo, Beja, Ota e Açores, bem como o campo de tiro de Alcochete, os aeródromos de Figo Maduro e Maceda (Ovar), o hospital das Forças Armadas do Lumiar, o depósito de material militar de Alverca e ainda as instalações da Força Aérea em Alfragide e Monsanto.

O funcionamento desta associação criminosa era decalcado do da hierarquia militar, explica o procurador do DIAP. Havia uma cadeia de comando em que nem todos era recompensados da mesma forma: quando era altura de receberem dos fornecedores pagamento em géneros, às altas patentes chegavam garrafas de Moët et Chandon, enquanto aos sargentos só cabia espumante. 

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