Os cientistas voltaram a estudar o coração de Chopin, há 170 anos fechado num frasco com conhaque

Novo estudo quer pôr fim ao mistério que rodeia a morte prematura do compositor. Investigadores acreditam que se deveu a um problema no coração. O mesmo coração que está na Polónia, quando o resto do corpo permanece em Paris. Novas teorias só daqui a 50 anos.

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Chopin no seu leito de morte (1849), obra encomendada ao pintor polaco Teofil Kwiatkowski por Jane Stirling, pianista escocesa que foi aluna de Chopin e a quem o compositor dedicou dois dos seus nocturnos DR

Frédéric Chopin tinha mais medo de ser enterrado vivo do que da própria morte. Diz-se até que, recorda agora o jornal britânico The Observer, o músico e compositor que sempre  teve uma saúde muito frágil obrigou uma das três irmãs a prometer-lhe, quando já tinha muito pouco tempo de vida, que seria autopsiado para que não restassem dúvidas, quando fosse a sepultar, de que estava realmente morto. “A terra é sufocante… Jura que os obrigarás a cortarem-me ao meio para que eu não seja enterrado vivo”, terá pedido o músico nascido na Polónia e radicado em Paris.

Não estava sozinho nesta sua obsessão com a possibilidade de vir a ser enterrado vivo - Alfred Nobel, por exemplo, temia o mesmo, escreve a revista de ciência Nature, falando nesta fobia como uma espécie de tradição romântica.

Chopin estava, então, confinado ao seu apartamento parisiense, pesava menos de 45 quilos, tinha grandes dificuldades em respirar e já não conseguia andar.

Ludwika, a irmã mais velha, acedeu ao pedido do músico e Frédéric Chopin (1810-1849), paradigma do criador romântico e um dos mais importantes compositores e pianistas da história, foi autopsiado e o seu coração guardado num frasco com (muito provavelmente) conhaque, hoje depositado numa igreja de Varsóvia (o corpo foi sepultado no Père Lachaise, o grande cemitério parisiense dos artistas e escritores, onde o seu túmulo está permanentemente engalanado). Na certidão de óbito emitida na época, a causa de morte apontada é a tuberculose.

Desde 1849 – Chopin tinha apenas 39 anos e a doença há já muito que afectara a sua capacidade de trabalho – que a sua morte tem alimentado uma série de teorias e motivado estudos científicos que chegaram a diferentes conclusões, embora muitas das causas de morte dadas como prováveis até aqui estejam ligadas a problemas respiratórios.

Para alguns foi simplesmente a tuberculose que o matou, para outros a fibrose quística (doença genética que afecta sobretudo os pulmões, mas que pode atingir também o pâncreas, o fígado, os rins e os intestinos) ou a estenose mitral (estreitamento da válvula mitral do coração). Mas há quem defenda ainda que Chopin tinha uma outra alteração genética que pode conduzir a doença pulmonar – a deficiência de alfa-1-antitripsina, uma proteína encarregue de proteger o sistema respiratório – e quem não afaste a possibilidade de o estado geral do compositor se ter agravado pelo facto de sofrer de depressão (há um estudo dos anos 1920 que levanta a hipótese de o músico ser maníaco-depressivo ou mesmo esquizofrénico, mas os seus biógrafos não parecem ter-lhe dado muito crédito).

Agora, há uma nova teoria. Os cientistas que mais recentemente tiveram oportunidade de estudar o seu coração concluíram que Chopin terá morrido com uma pericardite – uma inflamação do pericárdio, que é uma espécie de membrana que envolve o coração -, complicação rara em doentes que sofrem de tuberculose crónica.

No artigo publicado no American Journal of Medicine na semana passada, esta equipa de investigadores liderada por Michael Witt, da Academia de Ciências Polaca, defende que encontrou testemunhos de sérias complicações decorrentes da tuberculose, como pequenas lesões e uma fina camada de materiais fibrosos brancos, isto sem ter chegado a tocar no coração do compositor.

Em declarações ao Observer, na sequência daquele que é o primeiro estudo do coração do músico desde 1945, Michael Witt explicou por que razão a pericardite é "muito provavelmente" a responsável directa pela sua morte – o cientista chama-lhe “causa imediata” – e falou do seu quadro clínico geral, marcado pela tuberculose e altamente complexo.

O frasco que guarda o coração de Chopin continua “perfeitamente selado”, disse ainda Witt, do Instituto de Genética Humana de Poznan, rejeitando em seguida as pretensões de todos aqueles que pretendem abri-lo para recolher amostras de tecido e fazer testes de ADN na tentativa de provar que o compositor padecia de uma qualquer doença herdada. “Isso poderia destruir o coração e, de qualquer forma, estou convencido de que agora sabemos o que matou Chopin.”

Mas não faltará quem defenda que  o mistério que rodeia a morte do compositor ainda está por desvendar, pode ler-se no editorial da revista Nature, de 31 de Outubro. É que muitos acreditam que no frasco não está o coração de Chopin, mas outro qualquer, e juntam-se aos que reclamam testes capazes de atestar a sua autenticidade.

É verdade que o coração guardado na igreja polaca teve uma vida atribulada – começou por ser levado em segredo de Paris para a Polónia, então sob domínio russo, por Ludwika e chegou mesmo a estar num quartel Nazi durante a Segunda Guerra porque um comandante das SS fazia questão de ter a seu lado o seu compositor favorito.

Só daqui a 50 anos os cientistas poderão voltar a examinar o conteúdo do frasco. Qualquer que sejam as conclusões a que cheguem no futuro, uma coisa parece certa - o seu coração pode ter ficado fraco, mas isso nunca o impediu de tocar o dos outros com a música.

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