Um aconchego de lã e história para ver o Outono chegar à serra da Estrela
O antigo Hotel Turismo da Covilhã foi totalmente renovado e renasce com novo nome e conceito. O Puralã conta agora a história da cidade, da serra e da tradição dos lanifícios. Para ficar no aconchego das meadas ou sair num dos roteiros criados para explorar a região.
Sobre a marquesa estão à nossa espera uma manta dobrada e dois pompons feitos de finos fios de lã. Chegámos atrasados ao Puralã – Wool Valley Hotel & Spa, situado à entrada da Covilhã, e por isso saltamos o programa directamente para o Ritual da Lã, um tratamento exclusivo do spa do hotel. Primeiro, o corpo é coberto por uma pasta de chá verde de Idanha, com alecrim e esteva da região, que vai ajudar “a desintoxicação do organismo”, explica a terapeuta Cláudia. Ficamos assim durante 15 minutos, envoltos em lençóis de plástico cobertos pela manta quente feita de lã. Depois, segue-se uma massagem de corpo inteiro, em que o óleo quente à base de azeite virgem extra da Beira Baixa e extractos naturais de essência de três lavandas, que “crescem em diferentes altitudes aqui na zona”, são espalhados pelo corpo com os pompons de lã. Nenhum pormenor foi deixado ao acaso e todos eles acrescentam um fio à meada com que se cose o novo hotel.
No ano passado, o antigo Hotel Turismo da Covilhã foi completamente renovado, num investimento que rondou um milhão e meio de euros, para renascer com novo nome e conceito. Depois de seis meses em regime de soft opening, o Puralã – Wool Valley Hotel & Spa foi reinaugurado oficialmente em Junho deste ano. A estrutura arquitectónica mantém-se, mas tudo o resto está diferente. Antes podia estar localizado em qualquer parte do mundo. Agora conta “uma história” que só aqui fazia sentido ser narrada: a da cidade que galga a encosta da serra da Estrela e da indústria dos lanifícios que a ela sempre esteve ligada.
“Os hotéis têm de espelhar a cidade em que se encontram”, defende Vasco Pinho, designer e decorador de interiores responsável pela transformação. Para o filho da terra, que já tinha colaborado anteriormente com o grupo Natura IMB Hotels (proprietário do Puralã e de outros cinco hotéis na região), o passado foi sendo “desvalorizado” ao longo dos anos e “não havia nada que homenageasse a verdadeira tradição” da Covilhã no ramo hoteleiro da cidade. Era esse o caminho. E a lã o fio ideal para tecer o novo capítulo de uma unidade hoteleira com mais de vinte anos. Além de estar associada à ideia de “conforto” e intimamente ligada à história da cidade, é matéria-prima do negócio familiar dos proprietários do grupo hoteleiro, donos de uma fábrica têxtil de lanifícios e das lojas de novelos e meadas Tricots Brancal.
Todo o hotel é, por isso, uma “homenagem à lã”. À entrada, a fachada representa um tear: os novelos sobem a parede para passar pela estrutura de madeira, já no exterior, e emaranharem-se numa malha de rectângulos entre as janelas dos quartos. Na ala que reúne bar, restaurante e salas de estar, um mural assinado por Fátima Pereira Nina retrata o impacto da indústria têxtil na Covilhã, durante séculos principal motor económico, social e cultural da cidade. “Se os filhos de Adão pecaram, os da Covilhã sempre cardaram”, lê-se num dos painéis. Em cada recanto, há abat-jours ou almofadas feitas de malha. Nos quartos, um tronco de madeira derrama fios de lã sobre a cama. Aqui e ali, objectos resgatados às antigas fábricas da cidade transportam-nos para a época áurea dos lanifícios. “No restaurante, por exemplo, estão móveis de arquivo recuperados”, aponta Vasco Pinho. “Junto à recepção temos um antigo [aparelho de] picar o ponto”, acrescenta Luís Veiga, administrador executivo do grupo hoteleiro. Em vez de cartões com os horários de entrada e de saída de cada funcionário, a estante é agora preenchida com folhetos de sugestões de eventos, actividades e locais a visitar na região.
O objectivo é “entrosar o passado da Covilhã” com a actualidade, destacando os “pontos fortes da cidade” e da sua história “sem transformar o hotel num museu”, refere Vasco Pinho. O ambiente quer-se requintado mas informal e moderno. O mobiliário contemporâneo e minimalista, em tons crus, castanhos e cinzentos, serve de palco a uma ode às Beiras e à serra da Estrela através de pequenos apontamentos, como a utilização de materiais tradicionais da região (a lã, mas também o xisto e as madeiras) e de uma relação constante com artistas, artesãos e produtores da terra (seja na venda de artigos na loja do lobby, na utilização de ingredientes regionais no spa e no restaurante ou nos eventos e roteiros programados). Para atender à “alteração do perfil dos hóspedes”, o hotel tem agora um “conceito de lifestyle”, definem os responsáveis. No final de Setembro, tornou-se a única unidade de alojamento portuguesa a integrar a rede internacional da Boutique & Lifestyle Lodging Association.
“Queremos que os hóspedes sintam a atmosfera do hotel e que saiam para visitar a cidade e a região mas que depois tenham vontade de voltar e de desfrutar do hotel”, conta Luís Veiga. O Puralã não quer ser apenas um quarto onde passar a noite. Antes pelo contrário. Quer tornar-se um “hub do destino” serra da Estrela, uma “porta para tudo” o que há de melhor na cidade e a na região, ambicionam os responsáveis. Para tal, foram criados quatro roteiros turísticos da Covilhã, com os principais pontos de interesse na cidade para quem passeie sozinho, a dois, em família ou goste particularmente de fotografia, “especialmente de selfies”. No site, está já divulgado o próximo guia a ser impresso, dedicado à street art espalhada pelos edifícios do centro histórico. “Há pessoas que vêm de propósito por causa da arte urbana”, afirma Luís Veiga. Segundo o responsável, são 36 as obras a conhecer na cidade, entre pequenas intervenções não oficiais e os grandes murais criados para o festival de arte urbana Woolfest (contam-se obras de Vihls, Bordalo II, Pantónio ou Tamara Alves, entre outros).
A arte urbana é, por isso, também um dos principais eixos dos roteiros já publicados, assim como o “património industrial recuperado”, os monumentos e os edifícios históricos imprescindíveis, os miradouros, as lojas, os museus, as ruelas típicas, os projectos mais inovadores e as tascas tradicionais. A diversidade é transversal aos quatro mapas mas cada um destaca locais diferentes (embora alguns se repitam entre roteiros). “O objectivo é evidenciar a cidade: o que foi e o que é actualmente”, referem.
Além dos guias turísticos, o hotel começou a organizar um “fim-de-semana lifestyle” por mês, com um programa focado na tríade “cultura, enogastronomia e moda” da região, em que se incluem visitas guiadas, desfiles de moda, degustações e mercadinhos. O primeiro decorreu no final de Outubro, o próximo está agendado para 17, 18 e 19 de Novembro. No final do ano, deverá chegar mais uma novidade do grupo hoteleiro: o antigo Hotel Covilhã Parque, do outro lado da cidade, vai transformar-se em Sport Hotel, dedicado aos desportos de montanha.
Ao pequeno-almoço, entre garfadas de pão com requeijão regional e compota, voltamos a folhear os roteiros para espreitar as sugestões, imaginando os passeios possíveis pela cidade. Desta vez, não temos oportunidade de pôr pernas ao caminho e explorar a Covilhã de mapas na mão. Há quem já nos espere do outro lado da serra. Resta-nos uma coisa. Voltar. Com tempo.
A Fugas esteve alojada a convite do Puralã – Wool Valley Hotel & Spa