Chá das Cinco e a nova vida da Praça da Alegria

Tostas supergulosas, bolos com medidas americanas e chás e cafés que são mesmo chás e cafés. Sofia e Hugo partilham o balcão deste atelier, que é uma cafetaria, que é uma confeitaria.

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Há 15 anos que a senhora Teresa tem um cantinho na praça triangular. O seu pedaço de calçada portuguesa está coberto por legumes reluzentes, fruta bonita e feia, nabos e molhos de ervas — e uma balança de ferro fundido. É a única hortaliceira da Praça da Alegria. “Éramos nove... dez com a das batas”, recorda à Fugas. “Desapareceu tudo daqui”, lamenta. Apareceu o Chá das Cinco. “Dá muita vida à praça.”

A antiga papelaria do número 63 estava “mesmo abandonada de todo”, um pouco à imagem da praça entre São Lázaro e as Fontainhas que já teve “pessoas como formigas” e que nos últimos anos praticamente só vê desfilar promessas à velocidade das arruadas. Foram-se as bancas de frutas e de legumes. Foi-se a Vandoma. Ficou a senhora Teresa, hortaliceira que chegou à praça “às seis menos um quarto” e que sorri quando se fala dos vizinhos novos.

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Sofia, Hugo e o Chá das Cinco Nelson Garrido

Sofia e Hugo passam aqui os seus dias. “Tinha que ser confortável, tinha que ter a nossa cara”, apresenta à Fugas a pasteleira e doceira rodeada de scones, bolachas com pepitas de chocolate (cobrem a palma de qualquer mão), donuts feitos no forno, cupcakes red velvet e pão de banana (a experimentar ligeiramente torrado). Com o blogue Chá das Cinco a completar três anos, Sofia Lemos da Costa queria ter “uma cozinha como deve ser para explorar ao máximo”, um espaço onde pudesse “fazer experiências” e “brincar à vontade”. “Queria um balcão enorme só para mim”, diz. Partilha-o — divisão quase salomónica — com os chás e os cafés (e as maquinetas) de Hugo Ferraz, barista certificado pela SCA (Speciality Coffee Association). “Não sabia que havia todo um outro mundo”, assume Hugo, referindo-se à sua ponta do balcão.

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Cinnamon roll Nelson Garrido

Nesta cafetaria-confeitaria (é assim que apresentam o espaço, onde mimam o café de especialidade, os chás finos e a pastelaria artesanal), “a manteiga é mesmo manteiga, o chocolate é mesmo chocolate, o café é mesmo café” — e sem açúcar. Há bolos lá dentro, bolos para fora, bolos à fatia e ainda uma tosta “supergulosa” (chama-se Chunky Monkey e leva manteiga de amendoim, banana e pepitas de chocolate).

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Bolo de noz, café e caramelo Chá das Cinco

Ela é lisboeta — ia em família à Casa de Chá de Santa Isabel, as antigas “Vicentinas” — e fez mestrado na Faculdade de Belas Artes, no Porto. Ele nasceu em Matosinhos, foi criado em São Mamede de Infesta e mudou-se para o Porto há cerca de 15 anos numa altura em que “só gente louca se mudava para o Porto”. Vivem numa casa com vista de rio. E queriam trabalhar na sua zona de conforto, seguindo os ensinamentos do “guru” Danny Meyer, segundo o qual proximidade significa qualidade de vida. “Percebemos que era preferível estarmos perto de nossa casa e abdicarmos de algum turismo”, justifica Hugo, que deu uma volta ao mundo até voltar a bater à porta da primeira loja que os atraíra, paredes meias com o Barbas Shop, o outro objecto voador não identificado desta praça, que ganha mais vida nas horas de recreio da Escola Básica da Alegria. “A vida desta praça é um pouco triste”, constata Hugo. “Há 15 anos estava cheia de gente e agora é só uma senhora que vende fruta e legumes.”

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O café é mesmo café Nelson Garrido

No passeio de uma das arestas do triângulo já há uma pequena esplanada do atelier (também tratam o espaço por atelier) onde as pessoas não se importam de esperar seis minutos por uma infusão (numa certa noite de Natal ficaram com o nariz colado ao vidro de uma “maravilhosa loja de chá”, a Companhia Portugueza do Chá, agora responsável pelos chás da lista) ou o tempo certo por um blend Chá das Cinco torrado pela Luso Coffee Roasters (100% arábica com cafés de especialidade da Etiópia, Colômbia e Nicarágua numa combinação com aromas a jasmim, amêndoa, limão e caramelo). “Num sítio mais movimentado as pessoas não iam perceber a espera. Queremos que as pessoas percebam que é para estar e para ficar”, diz o barista, que vai apontando três tostas/torradas de “maior sustento” servidas com rúcula: de abacate (com sementes de sésamo e piripíri); Margherita (com mozzarella, tomate e manjericão); de mel e nozes (com queijo de cabra, mel e nozes).

Sofia quer encher a sua parte do balcão — e uma parte da outra — de referências que trouxe dos EUA, onde viveu quando tinha 16 anos.  “Passei um ano em Dumas, a norte de Amarillo, um sítio perdido no meio do nada com uma família americana. À filme. As pessoas criam as vacas em casa, andam de botas e de chapéu de cowboy. Foi a verdadeira experiência americana, com cheerleaders e tudo”, recorda Sofia, que já acompanhara o pai, funcionário da TAP, noutras viagens aos Estados Unidos, onde ambos se viciaram no cheese cake americano com “montes de queijo e cozinhado no forno ao contrário do nosso cheese fake”, nas “panquecas a sério, altas como nos filmes” e nos cinnamon rolls. “Trouxe um bocadinho disso”, diz a pasteleira. “Os portugueses gostam muito de comer, mas os americanos... outrageous. Tudo é over the top com imensos extras. Para eles é normal comer coisas gigantes de segunda a sexta. Podem beber um batido logo de manhã, e estamos a falar de um batido que não é o nosso batido de leite e fruta, é um batido com gelado com chantilly e coisas por cima. É outro mundo. Vivi dentro de um filme.” Brevemente num Chá das Cinco perto de si — assim como uma tarte de abóbora americana e uma versão do pumpkin spice latte.

O Chá das Cinco abriu no dia 18 de Agosto e trata todas as pessoas por tu — na lista também. “Vê na nossa montra o que temos hoje!”. “Já não consegues mais? Leva para casa!” Fecha à segunda e terça. E fecha durante todo o próximo mês de Janeiro. Está a chegar mais uma vida à Praça. Já tem nome. Benjamim.

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