Quando os vol-au-vents se queimaram

Uma tragédia screwball de câmara que tem bons actores, boas ideias, alguma graça e pouca consistência.

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A Festa: divertido e bastante inconsequente
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Para o bem e para o mal, haveremos sempre de recordar a cineasta inglesa Sally Potter como a autora de Orlando, que a brincar brincar já leva 25 anos em cima (é de 1992) e que continua a ser o seu momento de maior reconhecimento público. Em Portugal, perdemo-la de vista depois do descalabro de Um Homem Chora (2000), a sua única (e falhada) experiência com um grande orçamento, e reencontramo-la agora com o seu filme mais “acessível” em muito tempo: uma espécie de tragédia “screwball” de câmara politicamente incorrecta para sete personagens e um cenário, à volta de uma pequena festa que se transforma num desastre.

Suposta ser uma celebração da promoção de Kristin Scott Thomas a ministra-sombra da saúde nas bancadas da oposição parlamentar, a noite descamba rapidamente depois dos vol-au-vents queimarem, quando a vida privada de todos os convidados se revela estar nos exactos antípodas da sua imagem pública, trazendo ao de cima as clivagens entre idealismo e realismo - com o “senhor do mundo” cocainómano e cornudo de Cillian Murphy a funcionar como “detonador” deste mundinho elitista fechado sobre si próprio. Um mundinho que vive na sua torre burguesa e académica de “gente feliz com lágrimas”, sem ter real noção do quanto as suas vidas perderam o rumo desde os seus tempos de idealismo, que não consegue compreender que o impacto com a verdade seja tão devastador e que o mundo real seja tão diferente da sua visão.

Em entrevistas, Sally Potter admitiu que A Festa não foi feito a pensar no Brexit, mas que esse referendo aconteceu em plena rodagem e veio colorir de outra maneira um projecto então muito menos tópico do que hoje. E a verdade é que é por essa dimensão “do momento” que este filme despachado mas também algo mal-acabado tem algum interesse – por esse olhar compreensivo mas pouco compassivo sobre uma elite que perdeu o essencial de vista, pelo “jogo de massacre” a que Potter e os actores se entregam com evidente deleite de dinamitar. Há efectivamente diálogos com bastante graça (e o olhar corrosivo sobre a academia é das melhores coisas do filme) e é um prazer ver sete óptimos actores nas suas sete quintas (Timothy Spall, oásis de calma no “olho do furacão”, é então absolutamente soberbo). Mas a maioria das personagens são bonecos fáceis e preguiçosos que cumprem uma função, mais do que serem gente de carne e osso. O filme procura uma velocidade de comédia quase nonsense à qual um guião excessivamente declarativo não consegue responder com desenvoltura, e fica sempre a sensação de que a curta duração do filme (apenas 70 minutos) não é porque Sally Potter não tivesse mais para dizer, mas porque não quis ir mais fundo no que tinha para dizer. E é pena: A Festa é curioso, sim, divertido às vezes, mas é também bastante inconsequente, como se a realizadora se desse por contente com filmes que ficam aquém do que poderiam ser.

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