Efeito Weinstein: Kevin Spacey pede desculpas por assédio e revela homossexualidade
Catalisador de denúncias de comportamento sexual indesejado chegou a Westminster ou ao Parlamento Europeu, e leva ao coming out de um actor de renome.
O actor Anthony Rapp, actualmente a trabalhar na série Star Trek: Discovery e um dos elementos do musical Rent, acusou Kevin Spacey de assédio e de o tentar seduzir quando tinha 14 anos. O pedido “sincero” de desculpas de Spacey, um dos mais conhecidos actores da sua geração, veio acompanhado da revelação de que escolhe “viver como um homem gay”. O efeito catalisador do caso Harvey Weinstein, que continua a crescer, gerou denúncias de comportamento sexual indesejado por parte de figuras em posição de poder a vários níveis — esta segunda-feira mais de 150 artistas, curadores e directores de museus denunciaram abusos no mundo das artes e no fim-de-semana dois políticos britânicos foram também acusados.
No domingo, o site Buzzfeed publicou a notícia de que Rapp, hoje com 46 anos, se queixa de uma noite de assédio por parte de Kevin Spacey, respeitado actor do teatro, cinema e televisão, onde há cinco anos interpreta o protagonista do drama político House of Cards. Ambos estavam a trabalhar na Broadway, em duas peças diferentes, e numa festa na casa de Spacey o jovem de 14 anos deu por si no quarto do anfitrião, já com a casa vazia. “A minha impressão quando entrou no quarto foi de que estava bêbado”, diz Rapp. Spacey, então com 26 anos, ter-se-á deitado sobre Rapp e usado alguma força para o manter naquela posição. “Estava a tentar seduzir-me”, relata, acrescentando que conseguiu passar para a casa de banho e anunciou depois ter-se ido embora do apartamento.
Sente-se sortudo por nada mais ter acontecido, mas ao mesmo tempo incrédulo e zangado por ter sido posto em tal situação. Decidiu contar a sua história por mais motivos do que queixar-se, disse ao Buzzfeed — “mas para tentar iluminar décadas de comportamento que se tem permitido que continue porque muitas pessoas, incluindo eu, permanecem em silêncio”. O “momento que vivemos” fê-lo sentir que podia pôr um nome numa história que já tinha contado no passado — mais precisamente à revista The Advocate, em 2001, em que não identificava o homem que o assediou enquanto adolescente. Algumas alegadas vítimas de outros casos, agora vindos a público, tinham feito o mesmo, contando as suas histórias mas sem nomear o suposto agressor.
Kevin Spacey reagiu via Twitter com a publicação de uma nota em que manifesta a sua “admiração” por Rapp enquanto actor e diz: “Estou mais do que horrorizado por ouvir esta história. Honestamente, não me lembro do encontro, terá sido há mais de 30 anos. Mas se me comportei como ele descreve, devo-lhe as desculpas mais sinceras por o que teria sido um comportamento bêbado profundamente inapropriado”.
Numa segunda parte da nota, um efeito colateral da acusação de que é alvo — Spacey diz que a história o fez querer lidar com “outras coisas” na sua vida e acrescenta que sabe que “há histórias” sobre ele, justificando que tem protegido a sua privacidade. “Na minha vida tenho tido relações com homens e mulheres. Amei e tive encontros românticos com homens ao longo da minha vida e hoje escolho viver como um homem gay. Quero lidar com isto com honestidade, e abertamente, e isso começa por examinar o meu próprio comportamento”.
Kevin Spacey tem 58 anos e, tal como escreve na sua mensagem de domingo, tem defendido o seu direito à privacidade no que toca à sua vida íntima ao mesmo tempo que, nos bastidores e em alguns media, tem também sido alvo de rumores e especulação quanto a ela. Rapp interpreta actualmente um cientista que é a primeira personagem abertamente gay no universo Star Trek.
MeToo em Westminster e no Parlamento Europeu
Três semanas depois do início do escândalo Weinstein, alimentado por duas investigações jornalísticas em que pela primeira vez actrizes de renome falaram na primeira pessoa sobre casos de assédio sexual de diferentes graus de gravidade alegadamente perpetrados por um homem que tinha poderio físico e profissional sobre elas, as réplicas do mesmo continuam a fazer-se sentir em vários sectores e países.
Em parte produto de um momento em que uma atmosfera de responsabilização e de não-culpabilização das alegadas vítimas parece favorecer o número crescente de histórias a vir a público, como vários envolvidos têm contextualizado, extravazou já os limites do entretenimento. Na semana passada o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a luta contra o assédio sexual e os abusos sexuais na União Europeia — que muitos vêm como tendo sido motivado pela adesão ao movimento online MeToo, destinado a partilhar testemunhos de assédio, por várias eurodeputadas, e por uma investigação do site Politico.
Este fim-de-semana, duas denúncias de alegados comportamento sexuais inapropriados por parte de um deputado e de um ex-governante britânicos (do Partido Conservador) motivaram a primeira-ministra Theresa May a pedir a criação de um serviço independente que medeie o processo e indicou que podem ser criadas novas regras de conduta. O Guardian escreve esta manhã que esta semana se poderá revelar “o verdadeiro alcance do assédio sexual em Westminster”.
Um abaixo-assinado que continua a acumular signatários e que tem como promotores nomes como o da fotógrafa norte-americana Cindy Sherman ou da britânica Suzanne Cotter, ainda directora do Museu de Serralves, no Porto, denuncia esta segunda-feira as práticas de assédio sexual no mundo das artes.
Nos últimos dias novas queixas foram feitas contra agentes de talentos — o agente Tyler Grasham está a ser investigado por agressão sexual pela Polícia de Los Angeles — ou dirigentes de estúdios — Andrew Kramer, da Lionsgate, saiu da empresa após uma denúncia de assédio. O realizador James Toback foi acusado há uma semana por mais de 30 mulheres de assédio sexual e violação, através de denúncias feitas ao Los Angeles Times que, segundo o diário, suscitaram mais de 200 outras queixas e fizeram as actrizes Selma Blair, Julianne Moore e Rachel McAdams contar as suas próprias histórias de agressão por parte de Tobback, que por vezes prometia papéis em troca de sexo. Este nega as alegações e em declarações agora reveladas pela Rolling Stone considera-as “nojentas”. “É a forma oposta de eu trabalhar”, reiterou, “trabalho de forma séria com total integridade".
No final da semana passada, a actriz Annabella Sciorra contou à New Yorker, num novo artigo do jornalista Ronan Farrow (filho de Mia Farrow e acusador dos alegados abusos por Woody Allen à sua filha adoptiva Dylan Farrow), ter sido violada por Harvey Weinstein e posteriormente perseguida e assediada pelo produtor. A sua história remonta ao início dos anos 1990 — em 1993 filmou para a Miramax, a produtora e distribuidora dos irmãos Weinstein —, quando este forçou a entrada no seu apartamento após um jantar de trabalho e a obrigou a ter relações sexuais violentamente.
“Como muitas destas mulheres, tive tanta vergonha do que aconteceu. E eu lutei. Lutei. Mas ainda assim estava ‘Por que é que abri aquela porta? Quem é que abre a porta àquela hora da noite?’. Senti-me nojenta. Senti que tinha feito merda.” Weinstein terá tentado repetir o sucedido anos mais tarde, aparecendo-lhe à porta em roupa interior e com um frasco de óleo para bebé, mas a actriz terá chamado o pessoal do hotel. Mais de 60 mulheres acusam o produtor de assédio, agressão sexual ou violação cometidos alegadamente ao longo de décadas. Algumas forças policiais estão a investigar as acusações e a sua empresa, de onde foi demitido e onde terá também assediado várias funcionárias, encontra-se em tumulto financeiro. Dia 5, o New York Times publicou a sua primeira investigação sobre o tema, seguida pela New Yorker, dia 10.