Quase metade das albufeiras abaixo de 40%

Seca nas barragens, combustíveis fósseis na electricidade, explosão de emissões de dióxido de carbono. É a cadeia de consequências que se desenvolve há meses.

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Seca no Baixo Alentejo Rui Gaudencio

Das 61 albufeiras monitorizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), 27 encontravam-se com armazenagem de água inferior a 40% da sua capacidade, a 20 de Outubro passado, segundo dados fornecidos ao PÚBLICO. Face ao mês de Setembro, a situação geral agravou-se: no espaço de 20 dias, 10 albufeiras reduziram o volume de água armazenada e apenas duas tiveram um ligeiro aumento do volume, Douro e Sado. Neste último caso,a APA tem uma explicação particular. Deveu-se “às transferências de água do Alqueva e à diminuição dos volumes necessários para rega”. Quinze barragens encontravam-se em níveis críticos, com 20% de água ou menos, nas bacias do Sado, Tejo, Guadiana, Mondego, Douro e Algarve. Deste grupo, os valores mais críticos pertencem ao Monte da Rocha (8%) e à Vigia (10%).

Os níveis globais das 12 grandes bacias hídricas do país, onde se encontram as 61 albufeiras, dão uma visão menos crítica, já que apenas cinco delas estão a níveis inferiores a 50%. Mas mostram também que nove estavam a níveis inferiores à média para a época do ano, umas de forma significativa, como o Sado (tem 19,8% de água armazenada  quando costuma ter 44,5%), o Lima (tem 37,6% contra a média de 57,1%) ou o Mira (54,7% contra 71,8%). Refere ainda a APA que agora apenas duas albufeiras têm disponibilidade de água superior a 80% do seu total - eram três no final de Setembro.  

Consequência da seca, a produção de electricidade recorre mais aos combustíveis fósseis e menos à agua das barragens. O país não consegue satisfazer neste momento nem metade do consumo a partir de energias renováveis - e muito longe estão os quatro dias e meio de 2016, cujo consumo foi assegurado com renováveis, hídrica e eólica, sobretudo. 

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Nos 26 primeiros dias de Outubro deste ano, as barragens geraram menos 60% de electricidade do que em igual período do ano passado, de acordo com os dados da REN-Rede Eléctrica Nacional. Em contrapartida, as centrais a carvão e ciclo combinado de gás natural trabalharam mais 13%, sendo consideradas responsáveis por 20% das emissões nacionais de dióxido de carbono.

Com muito menos chuva, um pouco menos vento e mais sol, o peso dos combustíveis fósseis no consumo vai crescendo: valeu 56% entre Janeiro e 26 de Outubro, quando nos mesmos quase 10 meses do ano passado representavam 36% e a maioria da energia consumida tinha origem em fontes renováveis. O consumo de electricidade está também a crescer, sendo mais 0,4% do que em 2016.

Segundo as contas da associação ambientalista Zero, depois de um ano em que o contributo hidroeléctrico esteve 66% acima da média, o ano de 2017 está 43% abaixo. Esta entidade alertava, no início do mês, para o “efeito dramático nas emissões de dióxido de carbono [CO2]” especialmente associadas à produção de electricidade com mais carvão, por emitirem 2,5 vezes mais CO2 do que as centrais de ciclo combinado de gás natural. Calcula que, entre Janeiro e Setembro de 2017, foram libertados para a atmosfera 24 milhões de toneladas de dióxido de carbono, ou seja, mais 5,7 milhões de toneladas em relação ao mesmo período de 2016, ou seja, mais 31%.

Com uma situação de seca continuada e com os fogos florestais, o nível de emissões de CO2 deverá ficar próximo do ano de 2003. Só os incêndios até Outubro, incluindo os que começaram dia 15, terão contribuído com pelo menos oito milhões de toneladas. Em 2015, Portugal reportou à Convenção das Nações Unidas para as Alterções Climáticas 69 milhões de toneladas de emissões. O papel que a floresta desempenha de retenção (sumidouro) de carbono ronda os 10 milhões de toneladas por ano, pelo que o total de emissões fica nos 60 milhões.

No roteiro com que Portugal se comprometeu junto da comunidade internacional, na última cimeira do clima em Marraquexe, o país deverá ser neutro em carbono em 2050, ou seja, tem de ter por essa altura a capacidade de reter a mesma quantidade que emitir de CO2. Este objectivo - enquanto contributo nacional para impedir que a temperatura do planeta ultrapasse os dois graus celsius até 2100 -,  significa reduzir, até lá, de seis toneladas para zero a pegada de carbono anual de cada habitante.

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