Lewis Hamilton, a pop star da Fórmula 1

O rapaz pobre de Stevenege já é tetracampeão de Fórmula 1 e está no auge das suas capacidades. Encontrou o equilíbrio entre a sua atarefada vida pessoal e profissional

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Quando Ron Dennis, patrão da equipa McLaren, decidiu entregar, há uma década, um dos melhores monolugares de Fórmula 1 (F1) da época a um jovem negro, de 22 anos, os amantes do desporto motorizado não esconderam a surpresa. O espanto iria aumentar nos meses seguintes, quando o então desconhecido Lewis Hamilton começou a ganhar corridas, superando o seu colega de equipa e recente bicampeão mundial Fernando Alonso. O título iria fugir-lhe na última prova da época e por apenas um ponto. No ano seguinte, 2008, o inglês não iria falhar o alvo. Neste domingo, tornou-se tetracampeão mundial, numa corrida em que, no final da primeira volta, estava em último, devido a um furo motivado por um toque do Ferrari de Sebastian Vettel, na terceira curva da pista. Terminou em nono, o suficiente, pois o rival alemão, que também teve de ir às boxes por causa daquele toque, ficou em quarto, longe dos dois primeiros lugares que poderiam manter em aberto a luta pelo título.

As histórias de grandes lendas do desporto, de raízes humildes, que superaram as adversidades com determinação até chegarem ao topo, sempre cativaram audiências. Maradona ou Cristiano Ronaldo são exemplos disso no futebol, uma modalidade propícia a este tipo de casos. Mais raro é encontrar modelos idênticos nos desportos motorizados e na F1 em particular. E tratando-se de um negro, então, não há precedentes na classe maior do automobilismo, considerada a mais rica e nepotista do mundo. Lewis Hamilton é um piloto de excepção, mas também sabe vender eficazmente a sua imagem e promover a competição, mesmo em países como os EUA onde a popularidade da modalidade é ainda modesta.

“Olhem para o trabalho que Lewis faz fora das pistas. Ele vai a talk shows, eventos de passadeira vermelha. Leva a F1 a todos os locais do mundo”, congratulava-se Bernie Ecclestone, ex-patrão da F1, em Outubro do ano passado: “Para mim, como promotor, não existe ninguém melhor. Falo a sério quando digo que o Lewis é o melhor campeão que alguma vez tivemos.”

A admiração pelas actividades extracurriculares do piloto não é unânime e alguns criticam esta postura pública, por lhe retirar a concentração do fundamental. É o caso do seu antigo patrão e mentor Ron Dennis.

“Se ele estivesse na McLaren [escuderia que abandonou no final de 2012] ele não se iria comportar assim, porque não iríamos permitir”, garantiu há dois anos. Já os responsáveis pela sua actual equipa, a Mercedes, não levantam qualquer objecção. Pelo contrário. “É assim que deve estar, é assim que se deve comportar, é assim que se deve concentrar neste desporto. Se funciona para Lewis voar em redor do mundo, a saltar de um desfile de moda para outro, a sair com amigos e a dar espectáculo devemos simplesmente aceitá-lo”, respondeu Toto Wolff, líder da Mercedes-­Benz Motorsport.

Só atrás de Fangio e Schumacher

A verdade é que parece mesmo funcionar. Ao título de 2008, pela McLaren, Hamilton juntou o de 2014, 2015 e 2017, pela Mercedes. Aos 32 anos, igualou os quatro mundiais de Alan Prost e Sebastian Vettel e tem apenas na sua frente Michael Schumacher (7) e Juan Manuel Fangio (5). Entretanto, deixou para trás Jackie Stewart (3), tornando-se no mais bem-sucedido piloto britânico de sempre. Isto no país que mais campeões mundiais produziu: dez (no segundo lugar do ranking, bem afastados, estão a Alemanha, Finlândia e Brasil, todos com três).

O sonho de infância de Hamilton começou cedo a materializar-se, mas sem saltar muitas etapas e sempre por mérito próprio. Nascido em Stevenege, pequena localidade ao norte de Londres, para onde imigraram, na década de 1950, os seus avós provenientes da caribenha ilha de Granada, Lewis teve no seu pai uma fonte de inspiração, um timoneiro, um gestor de carreira e um agente. Anthony Hamilton sempre teve uma fé inabalável nas capacidades do filho e não se poupou a sacrifícios, como acumular três empregos, para lhe proporcionar uma carreira consistente no desporto automóvel. O talento de Lewis fez o resto.

Os primeiros sucessos surgiram no kart, onde se iniciou aos seis anos. Aos oito começou a competir em campeonatos e pouco depois surgiram os primeiros títulos, culminando com a conquista do Europeu, em 2000. Cinco anos antes, tinha vencido o campeonato britânico e a cerimónia de entrega dos prémios iria alterar a sua vida. Aproveitando a presença de Ron Dennis, abordou o patrão da McLaren e comunicou-lhe o desejo de um dia vir a conduzir um monolugar de F1. Foi aconselhado a esperar nove anos, mas, em 1998, acabou por ser chamado para assinar um contrato profissional com a equipa britânica, tornando-se no mais jovem piloto a fazê-lo.

Aos karts seguiram-se os monolugares de Fórmula Renault Series, cujo campeonato venceria em 2003, triunfando também, em 2005, na Fórmula 3 Euroseries, antes de novo título na GP2 Series, em 2006. No ano seguinte abriram-se as portas da tão desejada F1. “Tive uma carreira muito diferente para muitas pessoas, porque, praticamente, ganhei tudo e foi esse o meu objectivo. Nunca parei. Tenho de ganhar tudo”, admitiria em Agosto de 2009, já com um campeonato mundial da classe rainha no bolso.

Os rompimentos

Mas após o sucesso de 2008 as coisas começaram a correr menos bem ao piloto britânico, que deixou de ter um carro tão competitivo nos anos seguintes. Quinto classificado em 2009 e 2011; quarto em 2010 e 2012. Em pleno reinado de Sebastian Vettel (que conquistou quatro campeonatos entre 2010 e 2013), a McLaren não tinha capacidade para lutar pelo título. O rompimento foi inevitável e, em 2013, o britânico passou a representar a Mercedes. Uma decisão que, em retrospectiva, se revelou acertada. Em 2014 e 2015, Lewis regressou ao topo, assinando o bi e tricampeonato.

Também já se havia separado do pai no final de 2010, quando, após alguns desentendimentos, ambos decidem parar de trabalhar juntos. Anthony lamentaria depois não ter provocado este divórcio logo no ano do primeiro título do filho em F1. “Foi o meu maior erro. Eu sabia que tínhamos chegado ao ponto da vida que ele sempre quis: o título mundial, a sua própria namorada e o seu próprio dinheiro. O problema é que o carro de 2009 não era bom e eu não queria deixá-lo quando as coisas não corriam bem. Tomei a decisão de um pai”, confidenciou logo em Março de 2011, em entrevista ao The Daily Telegraph.

A ruptura ainda hoje incomoda Hamilton. “Foi um momento crucial e é ainda a coisa mais difícil que já atravessei”, confessou à revista norte-americana Time, no final do ano passado: “Crescer perto de alguém que se admira, sabendo que ele moveu o céu e a terra por mim todos os dias e um dia dizer: ‘Eu não quero que você faça mais parte disto.” E como estão actualmente as relações entre os dois? “Continua a ser um trabalho em desenvolvimento.”

Apesar de tudo, o piloto considera que estes foram cortes necessários e acabaram por sacudir a pressão negativa que já não escondia, tanto por parte do exigente pai como do intransigente Ron Dennis. “Hoje, sinto-me livre, nunca tive um ano tão feliz na minha vida. E nunca pilotei tão bem como agora”, diria em 2015, quando lutava pelo terceiro título da sua carreira.

Cor da pele

Se hoje é um dado irrelevante na carreira de Lewis Hamilton, a cor da pele do britânico nem sempre foi bem aceite por todos. “Os primeiros anos no mundo das corridas foram um choque para mim. Por sermos a primeira família de negros com este sucesso no desporto, sempre tive a sensação de que tive de trabalhar duas vezes mais duro e deveria ser duas vezes mais educado e humilde para poder avançar”, admitiu no início do ano passado, revendo os primeiros passos no desporto motorizado: “Isto não era apenas sobre pilotagem, era sobre muito mais coisas. Foi um mundo a que me tive de adaptar muito rapidamente. Esta pressão esteve sempre lá e não foi fácil de suportar.”

A sua própria experiência deixou-o bastante sensível para as questões raciais e nunca desaproveitou uma oportunidade para comentar casos de xenofobia. No Verão do ano passado, na sequência de episódios de violência policial contra negros nos EUA, postou uma foto reveladora na rede social Instagram. Um homem branco e um homem negro juntos de pé, segurando cada um cartaz com uma flecha apontada ao outro com as seguintes inscrições: [homem braco] “A sua vida vale menos do que a minha?; [homem negro] “A sua vida vale mais do que a minha?”. À foto adicionou duas hastags: #blacklivesmatter e #alllivesmatter.

Hamilton também não morre de simpatia por Donald Trump, não evitando comparar o actual estilo do presidente americano ao do seu antecessor Barack Obama. “É um contraste tão grande”, referiu à revista Time: “Quando se é um político como Barack Obama, que é um homem de família realmente bom, que nunca apalpou uma mulher ou disse algo depreciativo sobre mulheres… Ele é alguém que eu posso pessoalmente respeitar. Se eu tivesse um filho, poderia sentir-me confortável que ele olhasse para este exemplo. Não posso dizer o mesmo no caso de Trump.”

Pop Star

Esta forma de estar dentro e fora das pistas tornaram Hamilton uma autêntica estrela pop, mas o tetracampeão mundial garante que a fama e a fortuna em nada mudaram o essencial da sua personalidade. “Não estou a desperdiçar o meu dinheiro, não consumo drogas e ainda tenho os valores com que fui criado.” Mas o menino pobre de Stevenege é agora um milionário, o desportista britânico mais bem pago e um dos mais ricos do mundo, a quem os patrocinadores fazem fila para usar a imagem.

Garantindo que as suas ambições na F1 não passam por alcançar e bater marcas de outros, Hamilton não quer ainda abordar o final da carreira. “Honestamente estou a trabalhar apenas passo a passo (…) Quem sabe se chegarei perto de Michael [Schumacker, que tem o recorde de sete títulos mundiais]. Pessoalmente, não tenho vontade de perseguir isso”. E quando abandonar a competição o britânico acredita que a sua vida pode passar pela música. Tem um estúdio numa das suas residências em Inglaterra, tem aulas de guitarra eléctrica (uma das suas paixões de criança), piano e canto. Nos seus horizontes está uma parceria com o conhecido rapper canadiano Aubrey Drake. “Não sei o que farei ligado ao automobilismo quando parar de correr, mas com certeza a música fará parte da minha vida enquanto eu existir”, assegurou.

Mas para o ex-campeão mundial de F1 (1978) Mario Andretti, um herói do automobilismo norte-americano, Hamilton está apenas a começar a construir a sua lenda na competição. “O céu é o limite para ele. O que o torna diferente é a sua atitude. Exala confiança, mas também é sereno”, referiu à Time, em Abril de 2016.

“A coisa mais fascinante a respeito de Lewis é a sua vida fora do desporto. Eu corri em cinco continentes e posso descrever muitos aeroportos. Mas Lewis está um dia num desfile de moda na China e no seguinte a abraçar tigres no México. Não tenho a certeza se teria conseguido fazer tudo isto e manter-me focado. Mas ele faz e está.”

E, realmente, Hamilton parece ter encontrado o equilíbrio perfeito entre a sua vida privada e profissional. Ao mesmo tempo que continua a marcar presença em todo o tipo de eventos sociais e desfila em festas com celebridades pelo globo fora, protagonizou a sua melhor temporada de sempre na exigente F1. Está no seu auge em todos os aspectos.

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