PT e GES pagaram mais de meio milhão a ex-ministro de Lula
Ministério Público acredita que dinheiro visou pagar a influência do ex-chefe da Casa Civil de Lula da Silva no favorecimento da PT e dos interesses do Grupo Espírito Santo naquela sociedade. Advogado português que terá sido intermediário escapou à acusação.
Uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES) e uma sociedade do universo Portugal Telecom (PT) pagaram ao ex-ministro brasileiro José Dirceu “pelo menos 632 mil euros” entre 2007 e 2014. O dinheiro, acredita o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, servia para pagar a influência do antigo chefe da Casa Civil do presidente brasileiro Lula da Silva, um político que já condenado várias vezes por corrupção. O intuito seria favorecer a PT e os interesses do GES nesse gigante das telecomunicações em negócios que envolviam empresas públicas do Brasil, diz o Ministério Público (MP).
Segundo o despacho final da Operação Marquês, a maior parte do dinheiro terá sido transferida por ordem do antigo banqueiro Ricardo Salgado e terá tido como intermediário o advogado português João Abrantes Serra, que foi constituído arguido no âmbito da investigação, mas acabou por escapar à acusação.
O arquivamento ocorreu, segundo justifica o próprio MP, porque não foram reunidos indícios suficientes dos crimes de tráfico de influência, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada, suspeitas que estiveram na base da constituição como arguido do advogado de 76 anos, natural de Águeda e com escritório na baixa de Lisboa.
Pressionar entidades políticas
O Ministério Público explica detalhadamente porque não avança para a acusação, precisando que requisitos faltavam para que os factos constituíssem ilícitos criminais. Nesse exercício, faz questão de descrever em detalhe os factos que apurou. Explica que o advogado Abrantes Serra conhecia o irmão de Dirceu, Luiz Silva, há muito e que, em 2004, criaram em conjunto uma empresa.
Três anos mais tarde, em 2007, Abrantes Serra “acordou” com os dois irmãos a “concertação de esforços no sentido de, através do estabelecimentos de contactos, em Portugal e no Brasil, pressionar entidades políticas e a administração de empresas públicas para a obtenção de decisões favoráveis a interesses empresariais portugueses e brasileiros”, escreve o procurador Rosário Teixeira no primeiro depoimento do advogado, em Dezembro do ano passado.
Entre os negócios que se referem está a decisão da PT investir na Oi, um negócio que terminou com a fusão das duas empresas e com a subsequente venda da antiga operadora portuguesa de telecomunicações à Altice.
A entrada da PT no capital da Oi, diz Rosário Teixeira, “era do interesse de alguns quadros da administração não executiva da PT, caso de Henrique Granadeiro, e de alguns accionistas da mesma PT, caso do BES”. De forma a aproveitar tal conjunto de interesses, continua o procurador, “que envolvia a Andrade Gutierrez [construtora brasileira envolvida no caso Lava Jato], o BES e alguns elementos da administração da Portugal Telecom, o referido José Dirceu de Oliveira, utilizando os seus conhecimentos junto dos responsáveis políticos brasileiros, dispôs-se a contactar as entidades portuguesas no sentido de, através da promessa de condições favoráveis ao investimento da PT na Oi e da promessa de serem gerados ganhos com o negócio, conseguir uma decisão favorável para tal investimento”.
O ex-ministro brasileiro que foi condenado a várias penas de prisão no Brasil (em escândalos como o Mensalão, o Petrolão e o Lava Jato) não foi acusado na Operação Marquês. Tal não foi possível, justifica o MP no despacho de arquivamento, porque “no período de tempo em que alegadamente ocorreram os factos” o crime de tráfico de influência implicava que a entidade pública visada pela influência fosse “uma entidade titular de um cargo público no Estado português e não num Estado estrangeiro”, como era o caso.
Circuitos financeiros dos pagamentos
Antes de chegar a essa conclusão o MP reconstituíra os circuitos financeiros dos pagamentos feitos a José Dirceu, sempre através da sociedade de Abrantes Serra. O esquema, descreve o MP, era estabelecer “pretensos contratos de prestação de serviços” que serviam de fachada para os pagamentos que depois eram parcialmente encaminhados para Dirceu.
No despacho de arquivamento, o MP refere que o gasto foi “repartido, em partes iguais, entre a sociedade de advogados e José Dirceu”. “O primeiro desses pretensos contratos de prestação de serviços veio a ser acordado apenas verbalmente, ainda em 2007, com Henrique Granadeiro, que na altura era presidente não executivo da PT”, escreveu o MP no primeiro depoimento de Abrantes Serra.
A Espírito Santo Financial, uma holding do GES, pagou pelo menos desde Março de 2011 e Julho de 2014, 30 mil euros mensais, acrescidos de IVA, ao advogado, que foram repartidos em partes iguais entre este e Dirceu. Só o brasileiro recebeu um total de 585 mil neste âmbito. Recebeu ainda através do pagamento de despesas, financiadas por via de um cartão de crédito associado a uma conta controlada pelo advogado português.
“Apresentar pessoas e abrir portas”
No Despacho de arquivamento, o MP conclui que a sociedade de Abrantes Serra funcionava como “mero ponto de passagem” para os pagamentos a Dirceu e sem “efectiva representação e domínio” sobre a actividade exercida pelo ex-ministro brasileiro.
Interrogado novamente já este ano, Abrantes Serra assumiu que os serviços que prestou ao GES consistiam sobretudo em “apresentar pessoas e abrir portas” ao grupo nos países onde este se estava a implantar. “Tenho bons conhecimentos em vários pontos do mundo”, referiu o arguido, cujo advogado, Rogério Alves, o descreveu, durante o interrogatório, como uma espécie de embaixador.
Ao PÚBLICO, Rogério Alves congratulou-se com o facto de o seu cliente não ter sido acusado. “Para nós este é um assunto encerrado”, realça. Contactado pelo PÚBLICO, o advogado de Ricardo Salgado não quis comentar as palavras do MP, não tendo o de Granadeiro reagido em tempo útil. Com Ana Henriques