Costa sem escudo
Pragmático, o primeiro-ministro já deu o que Marcelo pediu. Mas ficou sem o escudo do Presidente e o da ministra. Está por conta própria. Foi no que deu o 'focus group'.
Perdeu o escudo de Marcelo. Nesta terça-feira à noite, o Presidente percebeu que o primeiro-ministro tinha deixado mal os portugueses e que eles não podiam ficar sem um ombro, sem um assumir de responsabilidades. E virou a coabitação: a partir daqui, avisou o Presidente, não há nem desculpas nem segunda oportunidade. Costa escolherá o responsável e a reforma que quer. Os seus aliados terão que o apoiar. Se vier uma nova tragédia, é com eles.
Mas António Costa perdeu também o escudo da ministra. Aquela que nos disse, numa carta de demissão em desespero, que já lhe tinha pedido vezes demais para sair e todas as oportunidades para a substituir. Constança Urbano de Sousa já não podia mais e quis ficar com o que lhe restava: a dignidade. E deixou para o primeiro-ministro aquilo a que ele se tentou esquivar: a responsabilidade política, aquela que ficou fora do discurso de segunda-feira.
Não foi por falta de aviso. Foi, por isso, consciente. Depois do que aconteceu em Pedrógão Grande, muita gente alertou António Costa que não podia ficar tudo na mesma. Muita gente lhe disse que era preciso tirar rapidamente consequências e recuperar a liderança política. Não para o ego de ninguém, só para assegurar que uma tragédia daquelas não se iria repetir.
Foi por isso que, aqui no PÚBLICO, fizemos e repetimos as perguntas, os porquês, logo desde o primeiro dia. Porque a época de fogos, naquele Junho que foi ontem, só estava a começar. Mas António Costa encontrou outro escudo: a comissão técnica pedida pelo PSD, que demoraria três meses a estudar, concluir e recomendar as mudanças. A verdade é que foi uma opção: o primeiro-ministro quis ou aceitou esperar.
Agora, sem o escudo de Marcelo e o escudo da ministra, sobra a responsabilidade dele. No que se passou desde Pedrógão, no último fim-de-semana - e no que se vai passar a partir daqui. Na terça-feira, Marcelo deixou-lhe o seu “há mais vida para além do Orçamento”, mas desta vez com o sentido contrário: não basta uma economia a crescer para um Governo ser inumputável. Agora, Costa está por conta própria. Foi no que deu o focus group.
P.S. António Costa é pragmático. Bastou o discurso do Presidente para ontem admitir indemnizar as vítimas (com base num relatório que já tem na mão há cinco dias). Bastou o discurso do Presidente para já haver margem no Orçamento (que foi fechado há quatro dias). Bastou o discurso do Presidente para pedir desculpas (mas só “se o senhor deputado quiser”). E bastou o discurso do Presidente para aceitar a demissão da ministra. Se calhar, afinal, não era um pedido infantil.