A “rocha” desfez-se e agora Costa já não podia juntar os pedaços

Os quatro meses mais penosos da vida de Constança Urbano de Sousa.

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Miguel A. Lopes

Desde que tomou posse como ministra da Administração Interna a 26 de Novembro de 2015, Constança Urbano de Sousa teve poucos dias de descanso. Enfrentou, no Verão de 2016, uma época de incêndios que bateu recordes e lhe valeram críticas duras. Não só pelos fogos, mas por ter sido fotografada de férias em festas sociais quando o país ardia. Depois de um inverno anormal no início de 2017, com o número de incêndios muito acima do habitual, apresentou um plano para a época de fogos de Verão, que considerou sólido e cujo objectivo era “zero mortos”.

Nessa altura tinha os bombeiros contra si, ameaçando não combater os fogos por falta de equipamento e a exigirem aumentos dos subsídios. Mas não eram só os bombeiros que a contestavam, eram todas as forças de segurança que diariamente lhe faziam exigências. Enfrentou ainda dois vetos de Marcelo Rebelo de Sousa. A tudo resistiu.

No início de Junho, a jornalista do PÚBLICO São José Almeida escrevia uma análise que tinha por título “A ministra contestada está ‘solid as a rock’”. E estava. Pelo forte apoio e confiança do primeiro-ministro que sempre esteve ao seu lado e pela determinação que mostrava num cargo muito difícil.

Até que chegou o dia 17 Junho deste ano. Pedrogão Grande ardia e com o correr da noite o número de mortos não parou de crescer até parar nos 64 que o país chorou. Nessa noite, quando Constança chegou ao posto de comando de combate ao fogo, já lá estava o seu secretário de Estado, Jorge Gomes, e o presidente da República que falava ao país. Constança pediu a Jorge Gomes que se desviasse para ficar ela atrás de Marcelo nos directos das televisões. Uma atitude logo alvo de críticas, que não parariam de crescer.

Foi nessa noite que, em directo, soltou as primeiras lágrimas. Foi após essa noite que colocou pela primeira vez o cargo à disposição do primeiro-ministro. Costa recusou, como recusaria outras vezes.

Vão-se seguir quatro meses de pesadelo para o país. Constança, que já tinha vários e pesados fardos às costas, ficava agora com todo o peso do mundo sobre os seus ombros, mas sempre com Costa ao seu lado.

A partir desse dia, Constança, a “rocha”, começou a ceder. As lágrimas corriam-lhe no rosto com frequência, fosse nos locais dos incêndios, fosse no Parlamento, onde teve de se deslocar várias vezes para dar explicações. Mostrava debilidade física. As olheiras eram cada vez mais cavadas. O discurso era muitas vezes errático e até disparatado. Confessaria mais tarde que Pedrogão tinha sido “o dia mais difícil” da sua vida. Costa continuava ao seu lado. Era a cunha de madeira que impedia que a “rocha” deslizasse colina abaixo.

A palavra “demissão” perseguiu-a todos os dias. Nas ruas, nos órgãos de comunicação social, no Parlamento. A ela e a Costa.

“O momento é de combater não é de fazer avaliações,” disse logo no dia 18 de Junho.

“Era mais fácil demitir-me, mas optei por dar a cara,” acrescentou a 21 desse mês quando ainda estava em Pedrogão.

“Tirarei naturalmente as devidas ilações [caso a comissão de peritos independentes que vai investigar o incêndio de Pedrógão Grande conclua que houve falha dos serviços que tutela]. Agora, neste momento, eu acho que é muito prematuro estar aqui a seguir pelo caminho que é fácil, era o caminho mais fácil a seguir, ia satisfazer uma certa apetência que alguns têm pelo sangue, se quisermos. Mas ia resolver algum problema?”, repetia a 25 de Junho.

“Não vou pedir a demissão, senhor deputado”, assegurava no Parlamento a 13 de Outubro.

“Para mim seria mais fácil, pessoalmente, ir-me embora e ter as férias que não tive, mas agora não é altura de demissões”, disse pela última vez no dia 16 deste mês, quando já era conhecido o relatório da comissão independente que lhe apontava responsabilidades políticas nos incêndios de Pedrogão, e quando mais 41 pessoas tinham morrido vítimas dos fogos no Centro e Norte do país. O número de vítimas mortais subiu ontem para 42.

Costa segurava-a, sempre que o questionavam. “Obviamente não demito a ministra da Administração Interna”, afirmou durante o debate do Estado da Nação, a 12 Julho. Repetiu-o vezes sem conta. E voltou a fazê-lo há dois dias de forma mais enfática, afirmando que seria uma “infantilidade” sugerir a demissão da MAI.

Passados quatro meses a “rocha” já tinha demasiadas rachas. O discurso do presidente da República e as críticas que agora até já vinham dentro do PS e do Governo partiram-na de vez. “Estão esgotadas todas as condições para me manter em funções, pelo que lhe apresento agora formalmente, o meu pedido de demissão, que tem de aceitar, até para preservar a minha dignidade pessoal”, dizia no seu pedido de demissão.

Desta vez, Constança não colocava o lugar à disposição, não pedia para sair, como diz ter feito várias vezes. Desta vez, dizia ao chefe do Governo e seu amigo de longa data que se ia embora e que ele tinha de aceitar em nome da sua dignidade pessoal. Costa já não conseguia, não podia, juntar os pedaços da “rocha” desfeita.

Se 17 de Junho de 2017 foi o dia mais difícil na vida de Constança Urbano de Sousa, os quatros meses que se seguiram foram com certeza os mais penosos desta beirã nascida em Coimbra em 1967.

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