Weinstein banido de mais um pedaço de Hollywood. “A seguir vamos atrás de vocês”
Produtores querem expulsar Weinstein. Comissões vão lidar com abuso sexual. Mulheres e homens do entretenimento continuam a contar as suas histórias e prometem-se mais denúncias.
Numa medida esperada, o Sindicato dos Produtores começou segunda-feira (hora de Los Angeles) a expulsão do produtor e distribuidor Harvey Weinstein da sua organização. “Este é um problema sistémico e pervasivo que requer atenção imediata de toda a indústria”, disse a guilda sobre o escândalo de violência sexual que envolve Hollywood, com Weinstein como figura de proa. Várias vozes lembram que “não é só Harvey” — e prometem: “a seguir vamos atrás de vocês”. A poderosa produtora Kathleen Kennedy propõe agora a criação de uma comissão envolvendo toda a indústria para evitar mais casos.
As regras do Sindicato dos Produtores, ou Producers Guild of America no nome em inglês, ditam que Weinstein tem duas semanas para reagir ao processo agora iniciado. Harvey Weinstein foi nomeado para dois prémios do Sindicato dos Produtores, por A Paixão de Shakespeare (1998) e Gangues de Nova Iorque (2002), mas nunca venceu. Detém, porém, um prémio honorário da guilda datado de 2013 e dividido com o irmão e sócio Bob Weinstein. Não tendo a força simbólica da expulsão da Academia que entrega os Óscares, decidida sábado, este processo é mais um golpe na já destruída reputação do outrora poderoso homem de Hollywood.
Duas investigações jornalísticas, do New York Times e da revista New Yorker, revelaram dezenas de denúncias de abusos e agressões sexuais continuadas da parte de Harvey Weinstein. Pela primeira vez, muitas actrizes de renome falaram na primeira pessoa da sua experiência enquanto alegadas vítimas de assédio sexual ou violação. Desde então, muitas mais pessoas avançaram com as suas próprias histórias, centradas em Hollywood mas não só. A indústria tem reagido formalmente através de decisões como as das duas organizações, que agora propõem enfrentar o tema de outras formas.
O Sindicato dos Produtores, composto por 8100 membros, criou uma força de intervenção contra o assédio sexual, dizem os presidentes do sindicato, Gary Lucchesi e Lori McCreary em comunicado, que identificam o problema como “sistémico”. A Anti-Sexual Harassment Task Force destina-se a “investigar e propor soluções substantivas e eficazes para o assédio sexual na indústria do entretenimento” – a guilda representa produtores de todas as áreas, do cinema à televisão.
Kathleen Kennedy, a presidente da Lucasfilm (detida pela Disney), lançou segunda-feira à noite um repto: “as organizações que constituem a indústria do cinema americano — os estúdios, os sindicatos, as guildas e as agências — deviam convocar uma comissão encarregue de desenvolver novas protecções que abarquem toda a indústria contra o assédio sexual e o abuso”. Kennedy, um dos membros do conselho de governadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que decidiu a expulsão de Weinstein no sábado, precisou ainda que essa comissão “deveria ser inteiramente financiada” pela indústria, com o objectivo de a “transformar” no que toca ao problema em causa – e que se estende a outras áreas da sociedade e outros países.
Além das duas organizações, os sindicatos dos argumentistas e dos actores já condenaram os alegados actos do produtor e a academia britânica, que entrega os BAFTA, foi a primeira a expulsar Weinstein. A cantora e actriz Courtney Love denunciou Weinstein em 2005 à sua agência, e diz ter sido punida por isso, exemplificando assim um dos maiores medos, além do físico, das alegadas vítimas de Weinstein — as represálias e consequências sobre as suas carreiras. Harvey Weinstein negou as acusações de relações sexuais sem consentimento de que é alvo e ter retaliado contra as mulheres que o acusaram.
Bjork, Von Trier e Steven Seagal
Entretanto, a vaga de denúncias não pára de crescer e espalha-se a outras áreas do sector, envolvendo actrizes e realizadores, actores, argumentistas e produtores, modelos e agentes. Em alguns casos, as denúncias são sobre encontros ocasionais e em que os envolvidos não estavam directamente relacionados em situações de trabalho, como é o caso do realizador Oliver Stone, acusado pela modelo Carrie Stevens de a ter apalpado numa festa; noutros, como uma audição para um filme com Steven Seagal em que a agora jornalista Lisa Guerrero terá sido assediada, o ambiente de trabalho era o palco.
A cantora Bjork queixou-se domingo de que quando trabalhou como actriz ficou “ciente de que é uma coisa universal que um realizador pode tocar e assediar as suas actrizes a seu bel prazer e que a instituição do cinema o permite”. A cantora só fez um filme, Dancer in the Dark (2000) de Lars Von Trier. Este reagiu segunda-feira, dizendo que apesar de não se terem dado bem, “não foi o caso”. O seu produtor Peter Aalbaek Jensen alegou mesmo que “aquela mulher era mais forte do que eu e Lars Von Trier e a nossa produtora juntos”.
Dezenas de modelos estão a usar o Instagram para relatar casos na sua indústria e a hashtag #MeToo está a ser partilhada no Twitter como uma forma de demonstração de que quem a usa também já foi vítima de assédio de alguma forma. Lady Gaga, Rosario Dawson, Anna Paquin ou a poeta Najwa Zebian já disseram “eu também”, aplaudidas pela única realizadora com um Óscar, Kathryn Bigelow.
Sendo a maioria dos casos agora relatados protagonizados por mulheres que se queixam de comentários lascivos, sugestões, propostas ou mesmo agressões sexuais e violação, há também relatos no masculino. Actores como Javier Muñoz ou James Van Der Beek revelam agora terem sido apalpados e assediados por homens mais velhos e em posições de poder na indústria; regressa a memória de denúncias passadas como as dos actores Corey Feldman e Corey Haim, ídolos adolescentes dos anos 1980, sobre a existência de uma rede de abusos sobre jovens rapazes no meio.
“Toda a cultura é cúmplice”, escreveu num artigo de opinião a showrunner de Anatomia de Grey Krista Vernoff, que detalha situações em que foi assediada. “Espero que este seja um ponto de viragem e que haja uma hipótese para uma verdadeira mudança. Se fizermos isto só sobre Harvey, já perdemos.” No fim-de-semana, a advogada Gloria Allred, conhecida pela sua defesa de várias mulheres em casos de abusos ou discriminação, disse estar a representar várias das denunciantes de Weinstein e avisou que tem “recebido telefonemas sobre outros homens em Hollywood. Executivos dos estúdios, actores da Lista A. Nomes grandes. Nomes conhecidos”. Espera “um tsunami” de revelações.
Esta terça-feira, no Guardian, uma actriz nomeada para os Óscares que não dá o seu nome assina um texto de opinião em que declara que “Hollywood está cheia de homens assim. Homens que acreditam que a ordem natural é avançar sexualmente sobre mulheres que ou trabalham para eles ou que estão a tentar ser contratadas. Perdi a conta ao número de mãos indesejadas que tocaram no meu corpo no que eu pensava ser uma situação de trabalho”, escreve. E avisa os homens na sua indústria e em todo o lado “que reconhecem o seu próprio comportamento no de Harvey”: “a seguir vamos atrás de vocês”.
Entretanto, nos EUA tem estado a circular por email uma lista de homens do sector do entretenimento acusados de comportamentos sexistas de várias ordens, que não chegou a público e que serve de exemplo cauteloso da necessidade de exercer discernimento na abordagem do tema. Woody Allen, acusado no passado de abusar da filha adoptiva (nega as acusações), já tentou recuar nas declarações que prestou sobre o ambiente de “caça às bruxas” gerado pelo caso Weinstein. Foi, escreve o New York Time, “um mensageiro imperfeito” sobre os riscos de um tsunami futuro de denúncias não devidamente investigado. “É importante examinar cuidadosamente e republicar cuuidadosamente, e não ser uma confusão generalizada”, alerta no mesmo jornal Nina Jacobson, produtora e ex-presidente da Buena Vista.
Porque, como atenta a escritora e consultora política Naomi Wolf no Guardian, "as mulheres que falaram são tão corajosas" e os actos de que Weinstein é acusado são crimes e devem ser levados seriamente. O verdadeiro "ponto de viragem será quando todos os rapazes e raparigas, mulheres e homens que são atacados, abusados ou tocados à força conheçam a lei e saibam no seu âmago que estes actos são crimes".