Pode um replicant sonhar?

Eu gosto muito mais deste Blade Runner de 2049. Não sei se é melhor que o de 2019. Mas sei que 2049 é suficientemente próximo para eu me projectar para lá e, ao mesmo tempo, perigosamente longínquo para ser questionado nas suas dimensões humana e tecnol

Uma cidade envolvida numa névoa amarelada e doentia, alberga um Elvis Presley digital que actua no palco de um bar art-deco.

A mesma cidade, vítima do aquecimento global, vazia de humanos, vazia de vida, mas repleta de carros voadores e de replicants, mostra-se em imagens de um futuro já desaparecido. Mostra-se como uma estética digital, carregada de falhas no seu sistema operativo, decadente, deteriorada, prestes a sucumbir.

E alguém corre. Corre e corre novamente. E volta a correr.

Corre-se num futuro escuro, denso. Ainda mais denso que aquele em que Deckard correu.

A estética urbana, visual, digital e até mesmo adivinhatória de um futuro tecnológico onde replicants e humanos co-viviam em 2019, deu lugar, 30 anos depois, a ambientes definhados, sem vidas nas casas, sem vida nos objectos. Os únicos objectos vivos são os replicants. Replicants que aspiram a sonhar, que aspiram viver. E correm! Procuram e procuram-se na agonia de se encontrarem

Com passagens a fazer lembrar o Inteligência Artificial de Spielberg, este novo Blade Runner questiona a humanidade tecnológica, questiona a dimensão do objecto vivo, questiona o nosso futuro. Se as máquinas ganham um sentido para a vida, há humanos que se mecanizam e perdem a alma.

Eu gosto muito mais deste Blade Runner de 2049. Não sei se é melhor que o de 2019. Sei também que passaram 35 anos entre um e outro. E sei que 2049 é suficientemente próximo para eu me projectar para lá e, ao mesmo tempo, perigosamente longínquo para ser questionado nas suas dimensões humana e tecnológica.

"O poder da ficção científica", diz Gosling, "é que somos capazes de experienciar o pior cenário sem realmente ter que o viver".

É isto que Blade Runner 2049 faz. E bem.

Faz-nos viver. Projecta-nos para ele.

Dá-nos uma história, um cenário. Bom ou mau na realidade pouco importa, pois, o propósito foi cumprido: atira-nos para um futuro que é já ali e ao mesmo tempo parece difícil de alcançar. Diria mais, difícil de aceitar.

Dá-nos uma arquitectura rica, mas fria. Dá-nos uma cidade detalhada, espectacularmente minuciosa. Dá-nos ambientes de design depurado, cheios de estilo, mas vazios de sensações.

Dá-nos habitações vazias, minúsculas em prédios sobrelotados.

Goste-se ou não, faz-nos ver, faz-nos existir, faz-nos sonhar.

Da mesma forma que fez sonhar o agente K.

O autor escreve em desacordo ortográfico.

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