Nelson Nunes não sabe cozinhar. Não quer saber. E não tem raiva de quem sabe — fica “de queixo caído”. “Só concebo a hipótese cataclísmica de cozinhar quando estou esfaimado”, assume o autor de Isto não é um Livro de Receitas antes de deixar uma das poucas receitas deste livro, que é tudo menos um livro de receitas (“também não é um cookbook”). “Pré-aqueço uma frigideira durante meia dúzia de minutos, estilhaço a casca de dois ovos e derramo o seu conteúdo para uma tigela. Com a ajuda de um garfo misturo-os, sempre com a preocupação exagerada de não os fazer colar à parede mais próxima com a violência do movimento. Quando a textura me satisfaz atiro o líquido para dentro da frigideira, ao qual junto um pedaço de margarina. Vou mexendo e aguardo que o líquido se torne sólido, sem que perca a humidade que me agrada.”
Esta é, na opinião de quem provou, a criação gastronómica “mais sofisticada” da carta de alguém que tanto se baba com os pratos do chef Grant Achatz, com os filmes de Lars von Trier ou com um solo de John Petrucci. Um ano depois de Com o Humor não Se Brinca, Nelson Nunes, que não é nem cozinheiro nem crítico (“não me interessa saber se uma trufa leva três ou seis gramas de sal — nem sequer sei se as trufas precisam de ser salgadas”), quer celebrar uma dúzia de chefs a operar em Portugal (Susana Felicidade, Alexandre Silva, Marlene Vieira, Miguel Rocha Vieira, Rui Paula, Ana Moura, Miguel Castro e Silva, José Avillez, Miguel Laffan, Leonel Pereira, Henrique Sá Pessoa e Vítor Sobral) através de conversas ao estilo jogo do sério.
O livro é, segundo o outsider nas lides da cozinha, o resultado do seu fascínio e da curiosidade pelo caminho que trouxe os chefs, as “novíssimas estrelas rock”, até ao actual nível de sofisticação. “São estes os homens e mulheres mais habilitados a dar-nos um estalo de tanto e delicioso sabor”, escreve no Aperitivo Nelson Nunes, que a metade da escrita do livro se cruzou com outro livro, o de Questlove, baterista da banda The Roots (“de quem Anthony Bourdain diz ser o tipo mais interessante do mundo”).
Em Something to Food About, Nelson encontrou um ser semelhante, um livro que complementa o seu e que “foi imprescindível para talhar algumas conclusões”, principalmente para o ajudar a definir o conceito de chef. É um filósofo, é um artista, é um gestor, é um desportista de alta competição, é um encenador.
Terminadas as entrevistas/conversas/reportagens, o jornalista conclui que o objectivo dos restaurantes não passa apenas por encher barrigas, mas por “criar uma memória e uma vivência gastronómicas únicas”. “No fim do dia é isso que conta: chegar a casa, após uma refeição num restaurante (com ou sem estrela Michelin, e dizer: ‘Este jantar mudou a minha vida’”.