Mulheres são cada vez mais qualificadas mas continuam a ganhar menos

Balanço da OCDE mostra Portugal continua acima da média nas disparidades salariais, mas são reconhecidos os esforços para combater o assédio no trabalho e aumentar a representação das mulheres em cargos de decisão.

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Miguel Manso

Para as mulheres, a participação na economia ainda é uma longa escadaria que é preciso subir a custo, degrau a degrau. E nessa competição, os homens avançam de escadas rolantes. É com esta ilustração se inicia o relatório The Pursuit of Gender Equality: An Uphill Battle ("Em busca da igualdade de género: uma batalha difícil"), divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) nesta quarta-feira na abertura do Women’s Forum, em Paris.

O documento faz um balanço dos esforços — e os resultados mais ou menos bem conseguidos — dos 35 países da OCDE para atingir os objectivos de igualdade entre mulheres e homens. E relembra-nos que Portugal é um dos países onde as mulheres passam mais tempo em tarefas não remuneradas, o que não as impede de estarem em força no mercado de trabalho. Continuamos acima da média da OCDE nas disparidades salariais, mas são reconhecidos os esforços para combater o assédio no trabalho e aumentar a representação das mulheres em cargos de decisão.

Depois do grande diagnóstico foi feito em 2012, no relatório intitulado Closing the Gender Gap: Act Now, e dos vários compromissos assumidos desde então, a OCDE identifica agora os vários pontos que ainda estão por resolver e alerta que é preciso acelerar a mudança.

A conclusão-chave é que, “nos últimos cinco anos, os países progrediram muito pouco para atingir a igualdade de género”, e as desigualdades persistem “em todas as áreas da vida económica e social”, sublinha José Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, na introdução ao relatório. E deixa o apelo: “Os países precisam fazer mais”.

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Em Portugal, a desigualdade de género ainda persiste em vários indicadores, mas o país tem sido um bom aluno do ponto de vista das iniciativas legislativas.

Na política, a presença das mulheres no Parlamento — um terço dos lugares — coloca-nos acima da média da OCDE. A paridade no sector empresarial também passou a ser lei nas empresas do Estado e empresas cotadas em bolsa. Portugal surge ao lado de países como a Áustria e a Islândia na criação ou reforço da legislação contra o assédio no local de trabalho nos últimos anos. E as licenças de parentalidade tendem a favorecer cada vez mais o acompanhamento dos homens nos primeiros meses depois do nascimento dos filhos — visto como um passo importante para tornar natural a sua participação nas tarefas de cuidado ao longo da vida.

Algumas mudanças sentem-se com mais força, em particular na educação. Nos países da OCDE, em média, as raparigas já ultrapassam os rapazes nos resultados escolares. Em 2014, as mulheres representavam 60,2% dos recém-licenciados. E o país está mesmo na linha da frente na proporção de mulheres licenciadas nas áreas de ciências, matemática e informática — 56,9% dos que acabaram o curso superior nesse ano nestas áreas eram mulheres.

Contudo, as discrepâncias no emprego, no empreendedorismo e na vida pública persistem, “e têm mudado pouco nos últimos anos”. O relatório mostra que, “por todo o mundo, as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens”, mesmo nos países mais desenvolvidos. Em Portugal, este gender pay gap — a diferença entre a remuneração média das mulheres e a remuneração média dos homens — aumentou de 13,5% em 2010 para 18,9% em 2015, com algumas flutuações. A diferença salarial chega aos 26,4% entre mulheres e homens com altos níveis de qualificação, enquanto nos patamares mais baixos desce para cerca de 10,5%, segundo dados do Governo.

Embora algumas das situações se expliquem pelo tipo de trabalho desempenhado, dados de 2014 apontam que mesmo, em Portugal, mais de metade desta diferença ainda se deve a “componentes não explicadas”: associadas, por exemplo, a “estereótipos de género, convenções sociais, discriminação contra as mulheres e características dos trabalhadores, como a motivação”.

No campo do empreendedorismo, as diferenças são ainda maiores: as mulheres portuguesas que lideram o seu próprio negócio ganham menos 41% dos que os homens empreendedores. Os dados são de 2014 e mostram que, na Europa, ficamos atrás apenas da Polónia (59,8%), Itália (54%) e Áustria (47%). Esta diferença explica-se, por exemplo, pelas áreas em que as mulheres tradicionalmente abrem negócios: “altamente competitivas, com baixa produtividade e menores margens de lucro”. Alguns dados sugerem ainda que as mulheres arriscam menos - o que também pode explicar que haja menos empreendedoras no geral.

Por fim, os usos do tempo: em casa, por todo o mundo, as mulheres continuam a fazer muito mais trabalho não remunerado do que os homens. Entre os países da OCDE, Portugal é o quarto país onde as mulheres passam mais tempo a fazer trabalho não pago, com mais de quatro horas por dia entre as tarefas domésticas e de cuidado dos filhos, dos idosos ou dos familiares doentes. Este compromisso com responsabilidades domésticas, refere o relatório, pode “desencorajar as mulheres de terem filhos”.

Ainda assim, somos um dos países com menor diferença na participação de mulheres e homens no mercado de trabalho, e onde também já é comum as mulheres regressarem ao trabalho logo depois da licença de maternidade, ao contrário de outros países onde a ausência pode alargar-se pelo menos até à entrada da criança na escola, como a Bélgica, França ou a Polónia.

A OCDE pediu aos governos para identificaram os três principais problemas na igualdade de género no seu país, e os mais recorrentes foram a violência contra as mulheres, as disparidades salariais e a divisão injusta do trabalho não remunerado.

O relatório divulgado nesta quarta-feira conclui que muitos países da OCDE estão a dar prioridade a estas questões nas suas políticas, e muitos — tal como Portugal — estão também a fazer esforços para trazer mais mulheres para cargos de liderança, tanto no sector público como no privado. “Todos os países enfrentam os seus próprios obstáculos para atingir a igualdade”, remata o secretário-geral Ángel Gurría. “[Mas] temos que avançar mais para tornar a igualdade de género numa realidade.”

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