Uma app para controlar a fertilidade? Infarmed dá luz verde

Há aplicações para telemóvel que permitem controlar a fertilidade. Uma delas foi registada este Verão pelo Infarmed como dispositivo médico. Presidente da Sociedade Portuguesa de Contracepção defende a pílula, mas diz que não é mau haver outros métodos, variados, à escolha.

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Enric Viver Rubio

Cerca de mil mulheres em Portugal usam uma aplicação para telemóvel para monitorizar a fertilidade. Chama-se Natural Cycles, foi aprovada em Fevereiro pela União Europeia e registada a 7 de Agosto no Infarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde. É a primeira app com este fim registada como dispositivo médico em Portugal, confirmou o Infarmed.

A ideia foi de Elina Berglund, uma física de partículas que fez parte da equipa que ajudou a detectar o bosão de Higgs. Depois de concluído o projecto no acelerador de partículas do CERN (em Genebra), em 2012, dedicou-se a algo completamente diferente: desenvolver um algoritmo para controlar o seu ciclo menstrual e determinar os dias férteis e inférteis, a partir da medição da temperatura diária do corpo — que desce ligeiramente nos dias em que a mulher está a ovular.

O passo seguinte foi desenvolver uma aplicação para o telemóvel e tentar colocá-la no mercado. Como funciona? Todas as manhãs, antes de se levantar da cama, a utilizadora deve medir a temperatura com um termómetro de duas casas decimais. Depois, inserir a informação na aplicação, que mostra a verde os dias em que não está fértil — e pode ter relações sexuais sem engravidar — e a encarnado os dias em que está. Nesses dias pode optar entre abstenção sexual ou o uso de preservativo. Ao mesmo tempo, a aplicação pode ser utilizada para ajudar a planear uma gravidez — algo que, segundo Elina Berglund explicou ao PÚBLICO, é o objectivo de sensivelmente 20% das utilizadoras.

Berglund diz que já há, em todo o mundo, 400 mil utilizadoras da sua app — 50.000 das quais no Brasil e mil em Portugal. A subscrição da aplicação tem um custo mensal de 8,99 euros ou uma anuidade de 64,99 euros, sendo que o termómetro da Natural Cycles só está incluído na segunda modalidade de pagamento. É possível, no entanto, utilizar outro termómetro que mostre resultados com duas casas decimais.

Pílula, escolha mais acertada

O controlo do ciclo menstrual através da temperatura é um dos métodos contraceptivos mais antigos, mas não um dos mais eficazes no seu uso tradicional, com papel e caneta. Era preciso “aprender quase tanta informação quanto uma ginecologista” e, mesmo assim, “cerca de 25% das mulheres engravidam num ano”, explica a física.

Os estudos até agora conduzidos pela Natural Cycles indicam que o controlo da fertilidade através do seu algoritmo se trata de um método contraceptivo seguro. “Tão eficaz quanto a pílula”, diz mesmo Elina Berglund. O mais recente — e maior — estudo, publicado pelo Contraception Journal, registou um índice de Pearl (número de gravidezes que ocorrem em cem mulheres, que utilizam o método durante um ano) de 1,0 em uso correcto e de 6,9 em uso corrente. Ou seja, diz, sob as condições ideais de utilização, a aplicação será eficaz para 99% das mulheres e para aproximadamente 93%, tendo em conta os condicionamentos do quotidiano (que já tem em conta a possibilidade de alguns erros).

Por comparação, a pílula (combinada e sem estrogénio) tem, de acordo com um relatório de 2015 da Organização Mundial da Saúde (OMS), um índice de Pearl de 0,3 em uso correcto e 9,0 em uso corrente.

“São estudos correctos e perfeitamente credíveis para poder promover os métodos [como o Natural Cycles]”, assegura Teresa Bombas, presidente da Sociedade Portuguesa de Contracepção. Ainda assim, ressalva, “as mulheres não vivem em estudos científicos, vivem na vida real”.

É importante, por isso, ter em conta que estes estudos “estão condicionados a um grupo de população que está muito motivado — mulheres que não querem químicos, muito protectoras do ambiente”. Por isso, conclui Teresa Bombas, estes métodos têm geralmente “uma maior margem de erro” do que as apresentadas nos estudos.

A médica especialista em ginecologia e obstetrícia defende intransigentemente a pílula e outros métodos químicos acima dos “métodos naturais”, como a escolha mais acertada. “[São] altamente eficazes do ponto de vista da prevenção da gravidez” e, além disso, têm outros benefícios — fluxos pequenos e a prevenção das dores menstruais, por exemplo.

Não obstante, reconhece a importância de existir um leque alargado de métodos contraceptivos, de forma que as pessoas possam “individualizar a sua escolha”.

Nunca um método será ideal para todas as mulheres, mas quanto maior for a escolha, menor “a possibilidade de a pessoa pensar ‘eu não faço contracepção porque não tenho nenhum método que se adeqúe ao meu estado de saúde’”.

Até porque, reforça a médica, há efectivamente mulheres que por algum motivo não podem ou não querem utilizar métodos químicos.

Responsabilidade dos dois

Elina Berglund diz que além dos mercados onde estão mais presentes — Suécia e Reino Unido —, também tiveram uma boa aceitação nos “mercados em que a contracepção tradicional não é culturalmente aceite, por motivos religiosos ou culturais”.

A Suécia começou por ser o país que escolheu para lançar a aplicação — não por ser esse o seu país de origem, mas pelos resultados do estudo de mercado realizado. Entre outros factores, concluíram que a Suécia “é uma sociedade bastante igualitária em termos de género”, justifica.

Por que é que esse é um factor importante? “Tradicionalmente, a carga da contracepção recai na mulher e o homem não tem de fazer tanto. [Este] é um método partilhado entre homem e mulher”, explica a física. “Chamar-lhe-ia um método gender equal [igualitário em género] — ela tem de medir a sua temperatura e ele tem de usar preservativo alguns dias do mês.” De acordo com Berglund, a grande maioria das utilizadoras da aplicação utilizava previamente a pílula como método contraceptivo.

Em Portugal, esta aplicação está classificada pelo Infarmed como “um dispositivo médico de classe IIb”— a mesma do preservativo, reservada a dispositivos de “médio risco”. Isto porque apesar de se tratar de um dispositivo pouco invasivo para o corpo humano e de uso não permanente — dois dos critérios da avaliação para atribuir uma classe a um dispositivo —, o potencial impacto que pode ter na vida das pessoas (neste caso resultar numa gravidez indesejada) é determinante na avaliação.

De acordo com a autoridade do medicamento, este produto destina-se “a mulheres saudáveis entre os 18 e os 45”.

O Infarmed faz ainda saber que “não foi possível identificar o registo de outro produto que tenha sido colocado no mercado [português], pelo seu fabricante, como um dispositivo médico claramente identificado como uma app (aplicação móvel) destinada à monitorização da fertilidade”, ainda que possam existir “produtos similares” que não foram colocados no mercado pelos seus fabricantes como dispositivos médicos.

Existem, de facto, outras aplicações semelhantes, como a Daysy, lançada em 2014 — que, apesar de ter sido certificada pela União Europeia, não tem registo no Infarmed. Natalie Rechberg é CEO e fundadora desta aplicação — que funciona de forma semelhante à Natural Cycles. Em declarações ao PÚBLICO, começa por explicar que se trata não de um método contraceptivo mas de um dispositivo que mostra “quando é preciso usar contraceptivos”.

Rechberg já trabalhava com métodos de “fertility awareness” (reconhecimento da fertilidade) antes de lançar a aplicação Daysy, em 2014. “Tudo começou com o meu pai, o fundador do Lady-Comp, um monitor de fertilidade [que existe] há 30 anos.” Ainda hoje disponível no mercado, trata-se de um aparelho independente que mostra os resultados num pequeno visor.

Depois de anos a trabalhar na empresa do pai, com sede na Alemanha, percebeu “que a maioria das mulheres procurava algo mais simples”, explica. Por isso, lançou o novo dispositivo, que, diz, conta com cerca de 20 mil mulheres utilizadoras. Rechberg defende que o controlo da fertilidade ajuda as mulheres a conhecerem melhor a forma como o seu corpo funciona. Segundo os resultados de um inquérito promovido pela empresa junto de 798 utilizadoras, 63% das participantes partilham a informação da aplicação com os seus médicos. 

Desse grupo, 84% das participantes afirmam usar algum método contraceptivo adicional — o preservativo masculino, em 93% dos casos.

 

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