Governo tem planos para fechar oito cadeias e construir outras cinco
Relatório do Ministério da Justiça traça plano de investimentos para a próxima década no valor de 446,5 milhões de euros. Porque “o respeito pela dignidade humana exige melhores condições”.
O Governo tem planos para fechar oito cadeias, incluindo a penitenciária de Lisboa, na próxima década. Um relatório elaborado no seio do Ministério da Justiça, mas que também se apoia em investigação desenvolvida pela Universidade Nova de Lisboa, preconiza ao mesmo tempo a construção de cinco prisões novas e a reabilitação de várias outras, numa altura em que vários estabelecimentos apresentam graves problemas de sobrelotação mas também de segurança.
O diagnóstico do actual estado do sistema prisional português feito por este grupo de trabalho não escamoteia que está em causa assegurar direitos humanos fundamentais: “Sem enfrentarmos o problema da sobrelotação, que condiciona a possibilidade de uma gestão proactiva da população prisional centrada em intervenções reabilitadoras e de reinserção social e sem uma agenda que torne efectiva a titularidade dos direitos humanos fundamentais da população reclusa, não atenuaremos a distância entre a ambição da reforma legislativa de 2010 e o quotidiano prisional.”
A segurança constitui outro problema. “O sistema prisional ressente-se de um continuado desinvestimento na área dos equipamentos de segurança (viaturas, câmaras de videovigilância, pórticos, raio x), bem como de uma depauperização dos seus recursos humanos e materiais adequados para fazer face às necessidades”, pode ler-se no estudo.
E se há cadeias onde a sobrelotação supera os 150 e mesmo os 200% — em Aveiro moram 169 reclusos num espaço concebido para 82 —, casos há em que se dá o inverso: há presos a menos para tanto espaço. É por essa razão que a prisão de Leiria deverá fechar, à semelhança da de Setúbal, que padece de graves deficiências em todos os parâmetros analisados e não tem possibilidades de ampliação. Com uma taxa de ocupação de 185%, deverá ser substituída por uma cadeia nova. Diz o estudo que não tem espaços adequados para ensino, saúde nem ocupação de tempos livres e que a cozinha não reúne o mínimo de condições para funcionar, mas um recluso que ali passou três anos, entre 2012 e 2015, faz uma descrição mais colorida: “A cozinha era baratas, era ratos... um nojo. Abriram paredes entre celas para fazer celas maiores e onde havia um preso passou a haver três, onde havia três passou a haver 12.” É a sua companheira quem transmite ao PÚBLICO o relato feito minutos antes ao telefone pelo marido, entretanto transferido para outra cadeia. Que resume tudo numa frase lapidar: “Não tem condições para seres humanos.”
O que não se fez
Socorrendo-se de recomendações das Nações Unidas para explicar que não é recomendável alojar sequer duas pessoas na mesma cela ou quarto, o estudo do Ministério da Justiça explica que várias reformas propaladas pela tutela no passado mal saíram do papel. “Alguns estabelecimentos prisionais têm condições de habitabilidade muito degradadas e deficientes e sem uma maioria de alojamentos individuais, de acordo com os padrões internacionais em vigor”, pode ler-se no documento, que foi enviado à Assembleia da República. “O respeito pela dignidade humana e pela segurança em ambiente prisional exigem não só mais capacidade de acolhimento mas sobretudo melhores condições habitacionais”, defendem os autores do documento, sublinhando ser essencial passar a existir uma separação rigorosa entre os presos preventivos e os já condenados.
A prestação de cuidados de saúde constitui outra razão de queixa. “Para conseguir ir ao médico é um problema, e quando não há enfermeiros são os guardas quem dá a medicação”, descreve o mesmo recluso. O relatório explica que, apesar de tudo o que está consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição Portuguesa a este nível, não se prevê nem sequer a médio prazo que o Serviço Nacional de Saúde tenha condições de assegurar as necessidades dos habitantes das cadeias. “Dada a extrema carência de profissionais de saúde no sistema prisional, foram identificadas necessidades de recrutamento que têm estado a ser paulatinamente supridas”, refere, fazendo notar que no universo da população prisional há um grupo com necessidades especiais, seja por questões de idade, de género, de nacionalidade ou de saúde mental.
Os inimputáveis são, de resto, alvo de especial atenção: o seu confinamento tende a eternizar-se. Impõe-se “manter espaços terapêuticos adequados, desenvolvendo uma estratégia de envolvimento dos serviços de saúde mental que trabalham em ambulatório, reduzindo tempos de internamento e viabilizando o retorno à comunidade”. Outro grupo especialmente prejudicado são as 871 mulheres presas, que, por constituírem apenas 6,4% de uma população maioritariamente masculina, têm poucas cadeias e são por isso frequentemente alojadas longe do local de residência. Do plano de investimentos para a próxima década, que deverá ser concretizado de forma faseada até 2027, com a ajuda de fundos europeus, faz por isso parte a abertura de lugares femininos em vários estabelecimentos prisionais já existentes ou a construir, ao mesmo tempo que Tires, hoje reservada exclusivamente às mulheres, irá abrir-se à população masculina — vinda, por exemplo, da penitenciária de Lisboa, que está para encerrar há vários anos, ou de Caxias, cujo fecho foi agora previsto.
Os custos do programa totalizam os 446,5 milhões de euros. Verba que, além de obras e equipamentos, pagará também o aumento de pessoal, não apenas de guardas prisionais como também de técnicos, indispensáveis para que a cadeia constitua não apenas um depósito de reclusos ou mesmo uma escola de crime e sim um local passível de reabilitar quem lá está. Através de actividades laborais, por exemplo, mas também de mais horas de recreio ao ar livre e de contactos mais frequentes com a família.
“Alguns destes investimentos poderão acomodar-se numa futura programação financeira nacional específica a apresentar à Assembleia da República, à semelhança do que já acontece com os investimentos das Forças Armadas e das forças de segurança. Outros poderão vir a integrar o Programa Nacional de Investimentos 2030 actualmente em preparação”, dizem os autores do estudo, que querem um parque prisional sem estabelecimentos acima das 600 vagas.