Absentia: “Durante quanto tempo procuramos alguém antes de desistir?”
A nova série do AXN é encabeçada por Stana Katic e conta a história de uma agente do FBI que é dada como morta e aparece ao fim de seis anos. O PÚBLICO esteve nas rodagens.
Avançamos por uma estrada de terra batida e lamacenta que vai dar a um cemitério. A julgar pelo terreno verdejante onde repousam as lápides brancas e pelas altas árvores que o envolvem, isto poderia muito bem ser Boston, Massachusetts. Um casal surge acompanhado por uma criança e dirige-se com pesar a uma das inscrições. Só que aquele que deveria ser um momento de luto e privacidade está coreografado passo a passo e resulta da coordenação de uma máquina muito bem oleada. Estamos nos arredores de Sófia, Bulgária, no ensaio de uma das cenas fulcrais do episódio piloto de Absentia, o novo thriller policial do AXN que se estreia esta segunda-feira em simultâneo nos três canais AXN. Servirá de introdução à história de Emily Byrne (Stana Katic, mais conhecida por interpretar Kate Beckett no drama policial Castle), uma agente do FBI que desaparece sem deixar rasto depois de investigar um conhecido assassino em série.
Passados seis anos, a protagonista é encontrada numa cabana no meio da floresta sem qualquer memória do que lhe aconteceu. “A série passa-se maioritariamente na natureza em detrimento da cidade e esta [paisagem] é muito parecida com a de Boston”, contextualiza a produtora Maria Feldman. “ [Sófia] é a mais americana das cidades europeias. Há muitos sítios abandonados e em construção e foi isso que nos permitiu construir o enredo aqui." Estamos a mais de metade do calendário de gravações de Absentia (50 de 64 dias) e, por esta altura, a produção ambulante já correu o país do Leste da Europa em mais de 60 diferentes cenários de rodagem.
Agrupados diante dos diferentes trailers da produção, os jornalistas aguardam uma visita aos figurinos quando Stana Katic corre apressada para o seu camarim. Antes que desapareça, é possível vislumbrar-lhe o rosto coberto de sangue e o cabelo molhado e desgrenhado – terá, muito provavelmente, acabado de sair de uma das muitas cenas de acção que a trama implica. Circulamos no guarda-roupa em pequenos grupos, porque o espaço já de si apertado encontra-se atulhado de figurinos e calçado etiquetados com o nome de cada personagem – como se ali residisse a segunda pele envergada pelos actores.
Salta à vista um cabide onde estão pendurados diversos casacos de uniforme do FBI e da Boston Police e vários pares de botas de estilo militar. Figurino que não só torna claro o contorno policial da série, mas que dá também uma pista para o confronto entre as duas entidades na história. É o detective Tommy Gibbs (Angel Bonanni) da Boston Police que encontra Emily viva numa cabana na floresta, mas vai ter de disputar o caso com o agente especial Adam Radford (Ralph Ineson), antigo parceiro de Emily no FBI e responsável pela investigação do seu desaparecimento. “Há um certo sentimento de culpa nele e a relação dele com a família de Emily vai continuar”, conta Ralph Ineson aos jornalistas, acrescentando que “há uma certa rivalidade e competição entre a Boston Police e o FBI, mas eles acabam por trabalhar juntos no crime”.
O protótipo de uma “mãe guerreira”
Ao longo dos dez episódios da série, Emily vai procurar reintegrar-se na realidade da qual esteve ausente durante seis anos e ao mesmo tempo ajudar a desvendar o mistério do seu desaparecimento – enquanto enfrenta, sobretudo, o trauma dos acontecimentos do passado. Quando reemerge, a detective descobre que o marido Nick (Patrick Heusinger) voltou a casar-se com Alice (Cara Theobold) e que o filho de nove anos, Flynn (Patrick McAuley), não tem qualquer memória da sua existência. “Ela é uma sobrevivente e para ser uma sobrevivente também é uma lutadora, porque passou por algo tão extremo e tenta empurrar tudo isso para trás das costas”, explica Stana Katic em conferência de imprensa. A actriz norte-americana nascida no Canadá, que fez questão de falar com mulheres que foram raptadas e mantidas em cativeiro para se preparar para o papel, realça que esta é uma personagem algo singular na indústria televisiva. “Ela é uma mãe, mas também é uma guerreira, e não sei se este protótipo será muito comum”, reflecte Katic. “Não queria interpretar uma personagem que fosse só uma vítima ou que tivesse só a função familiar.”
Quando todos parecem ter seguido em frente, Emily tem de começar uma vida nova. Mas a detective é obrigada a revisitar o pesadelo que viveu uma e outra vez em busca de pistas que possam resolver o caso. A cabana onde é encontrada pela polícia é um dos cenários recorrentes da acção de Absentia e foi construída de raiz propositadamente para o efeito. É para lá que nos dirigimos ao comando de Maria Feldman, que distingue perfeitamente o trilho de terra enlameada e vegetação selvagem que ocupa o terreno. Não demoramos muito a sair da estrada principal para enveredar por um atalho que nos leva ao nosso destino, mas que só é acessível quando desbravamos caminho entre os arbustos.
O que encontramos é uma pequena casa de madeira no meio da floresta circunscrita pela fita amarela que assinala o local do crime. O verde do solo é salpicado por um manto branco que cobre as redondezas. Estamos no início de Março e fazem apenas 10ºC em Sófia, mas a neve tem sido esporádica desde que a produção se instalou na capital búlgara em Janeiro. “A sequência de abertura foi construída com máquinas de fumo e neve falsa”, explica a produtora. Seguimos para o interior, mas o espaço aparenta estar vazio e abandonado (já deverão ter sido filmadas todas as cenas com este pano de fundo) e passaria despercebido não fosse o buraco entalhado no meio da cabana que pode ser uma pista sobre o rapto de Emily.
O retorno à vida real vai ser um processo doloroso não só para a detective como para todos os que choraram a sua morte. O irmão Jack (Neil Jackson), um respeitado cirurgião que se refugiou no álcool e perdeu a licença profissional, mal começara a recuperar da tragédia quando Emily reaparece. “Muitas séries americanas tentam polir tudo, mas esta série é extremamente emocionante. Como é que se lida com o regresso de uma pessoa que está morta há seis anos?”, atira o actor, assegurando que “aqui não se evita o sofrimento”. Também Nick, o marido de Emily que entretanto casou novamente, tem de enfrentar o trauma do seu regresso e impedir que a sua unidade familiar se desmorone. “É muito complicado: durante quanto tempo procuramos alguém antes de desistir?”, questiona Patrick Heusinger.
Numa série como num filme
O actor norte-americano sublinha que a intensidade de Absentia se prende com o método de rodagem em bloco escolhido para as filmagens. Isto quer dizer que cada dia está planeado ao milímetro de acordo com os locais de rodagem e pode percorrer cenas do início, do meio e do fim da trama. “Podemos ir do quinto ao décimo episódio no mesmo dia e isso exige não só remover ferimentos como percorrer um árduo caminho psicológico”, explica Heusinger, reiterando que “andar para a frente e para trás a nível emocional é um desafio entusiasmante”.
Ao contrário do que acontece normalmente na televisão norte-americana, em que as séries contam com diferentes realizadores para os vários episódios gravados sequencialmente, Absentia conta apenas com a visão criativa de Oded Ruskin (que trabalhou com a produtora Maria Feldman na série israelita False Flag). “Noutras séries, temos acesso aos guiões com um ou dois episódios de antecedência e vamos descobrindo as personagens, mas neste caso sabemos as suas trajectórias e podemos construií-las como um todo”, diz Neil Jackson.
Para inserir a acção na cidade de Boston, a série contou não só com a floresta dos arredores de Sófia, mas também com um estúdio na capital búlgara que recriou uma rua americana onde se podiam ver carros da polícia. Maria Feldman revela também que “foi feito um b-roll [um conjunto de imagens filmadas a costurar com as da história que se quer contar] com gravações de paisagens de Boston para serem usadas como pano de fundo”.
Além de protagonizar a série, Stana Katic é também produtora executiva de Absentia. A actriz compara o processo criativo a “filmar três filmes ao mesmo tempo” e sublinha que “a prioridade é assegurar que os colegas têm todas as condições para criar ao máximo das suas capacidades”. Quando se dá a inevitável comparação com Castle – o policial que se demarcava também pelas tiradas cómicas –, Katic refere que “como a história é tão intensa, o riso é muito mais vibrante quando alguém diz ‘corta’”.
A visita de imprensa ao set de encaminha-se para o fim, mas antes ainda temos a oportunidade de ver o primeiro take da cena do cemitério ensaiada logo no início. Faz-se silêncio absoluto e Nick e Alice dirigem-se à lápide de Emily de rosto soturno. Mas de repente alguém grita “Flores!”. Faltam as flores que Flynn deve levar na mão para homenagear a mãe. Por um momento, voltamos ao mundo real, mas rapidamente tudo está onde deve estar e a história retoma.
O PÚBLICO viajou a convite do AXN Portugal