Forças Armadas negam existência de relatório sobre Tancos
Comunicado desmente existência de qualquer relatório das secretas sobre o roubo de armas de guerra nos paióis de Tancos. Reacções sucedem-se, com Marcelo a lembrar que o importante é apurar se houve ou não crime.
O Estado-Maior General das Forças Armadas desmente “categoricamente” a existência de qualquer relatório do Centro de Informações e Segurança militares (CISMIL) sobre o roubo de armas de guerra nos paióis de Tancos. Segundo o Expresso, o documento que teve como destinatários a Unidade Nacional de Contra Terrorismo da Polícia Judiciária e os Serviços de Informações e Segurança, tece duras críticas aos militares e ao ministro da Defesa, Azeredo Lopes, acusando este último de ter actuado “com ligeireza e [de forma] quase imprudente”, proferindo “declarações arriscadas e de intenções duvidosas” na gestão do processo.
“Relativamente à notícia hoje publicada pelo jornal Expresso (…) vem o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) informar que o seu Centro de Informações e Segurança Militar (CISMIL) não produziu qualquer relatório sobre o assunto”, lê-se num comunicado enviado há minutos para as redacções, assinado pelo porta-voz das Forças Armadas, Hélder Perdigão.
Este desmentido surgiu já depois de o conteúdo do suposto relatório ter provocado reacções de todos os quadrantes políticos. O último a reagir tinha sido o Presidente da República que, alegando desconhecer o referido documento, aproveitou, contudo, para lembrar que o que urge saber é se houve ou não crime. “Se houve crime, houve criminosos. Se houve criminosos, como é que decorreu e quem são os responsáveis. Isso naturalmente que segue a sua investigação própria mas há-de chegar o dia em que teremos de apurar efectivamente o que existiu naquilo que aparentemente se configurou como uma actuação potencialmente violadora das regras fundamentais do direito português”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, em Serralves, no Porto.
O primeiro-ministro, António Costa, também se referira ao assunto mas apenas para garantir que desconhece “em absoluto” a existência de qualquer relatório sobre o furto de armas em Tancos: “Obviamente que não vou tratar de assuntos desta relevância no meio de uma campanha eleitoral. A única coisa que queria dizer é que desconheço em absoluto esse relatório.”
O Expresso noticia em manchete que o relatório sobre o desaparecimento de armas de guerra, conhecido no dia 29 de Junho, qualifica o incidente como “de extrema gravidade”, considerando que o mesmo deve “ser investigado e definidas todas as consequências”. E tece duras críticas ao poder político e militar, nomeadamente à acção do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, tida como “imprudente” e de “grande ligeireza” e imputando-lhe ainda “declarações arriscadas e de intenções duvidosas” e “uma atitude de arrogância cínica” na condução de todo o processo. Ao PÚBLICO, fonte do gabinete de Azeredo Lopes reagiu apenas para recusar quaisquer comentários sobre este documento.
O incidente de Tancos revelou “fragilidades de liderança e de capacidade de gestão da crise, quer ao nível militar quer ao nível político”, ainda segundo o relatório de 63 páginas que, segundo o semanário, foi elaborado em Julho. E foi reflexo do elevado grau de degradação das infra-estruturas e meios afectos às Forças Armadas, tendo contribuído para a degradação da imagem externa do país, para o sentimento de insegurança e para a “descredibilização do Exército e das Forças Armadas. As suas consequências, concluem, só não foram piores, devido “à pronta e ponderada acção do Presidente da República”, Marcelo Rebelo de Sousa.
Na altura, com o primeiro-ministro, António Costa, ausente do país em férias, Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se a Tancos para “apoiar a investigação”, poucas horas depois de a Procuradoria-Geral da República ter aberto uma investigação ao sucedido, e para sublinhar a necessidade de “apurar tudo, de alto a baixo, completamente, exaustivamente”. No início deste mês, volvidos mais de dois meses sobre o assalto, Marcelo voltou a referir-se ao assunto para se mostrar preocupado com a demora no apuramento dos factos.
Sem apontar certezas quanto aos contornos do assalto, o que o relatório citado pelo Expresso faz é apontar dez possíveis cenários para o que aconteceu em Tancos, dos quais três são tidos como “muito prováveis”. Dois deles têm como pressuposto a conivência de militares da unidade com o crime organizado, o que até nem é novo dado que o chefe do Estado-Maior do Exército, o general Rovisco Duarte, admitira já publicamente a conivência de militares. Na primeira hipótese, a do tráfico de armamento para África, surge o nome de uma empresa portuense de fornecimento de equipamento militar, que é referenciada como tendo ligações a ex-militares e traficantes de armamento em África, e que teria ligações com o sargento-chefe paraquedista Alcino Costa, detido desde 2016 por suspeita de tráfico de armas de guerra roubadas. Este militar trabalhava no regimento de paraquedistas de Tancos.
O segundo cenário aponta para mercenários portugueses que têm vindo a fazer assaltos do género noutros países e que venderão o armamento a radicais islâmicos do Norte de África, separatistas da Córsega (França) ou até máfias europeias. O terceiro cenário aponta para grupos de jihadistas espalhados pela Península Ibérica, admitindo mesmo que o armamento roubado possa estar ainda em Portugal tendo em vista eventuais ataques a alvos turísticos, no âmbito da nova estratégia do Daesh que estará a preparar atentados no Sul de França, no Sul de Itália e no Sul de Portugal.