Em plena vindima, os Baga Friends (Luís Pato, Filipa Pato, Quinta das Bágeiras, Sidónio de Sousa, Quinta da Vacariça, Niepoort e Palace Hotel do Buçaco) abriram as portas para mostrar o que andam a fazer. Durante três dias, desdobraram-se em almoços e jantares, sempre com muito vinho (não só tintos de Baga, claro), e cujo ponto alto foi uma prova conjunta no romântico Hotel do Buçaco, seguida de um jantar comemorativo do centenário dos hotéis Alexandre Almeida (o do Buçaco é um deles).
Falta espaço para falar de todos os vinhos que os Baga Friends fazem. São muitos e diversos. Percorrer o portefólio de Luís Pato e da filha, Filipa Pato, da Niepoort e da Quinta das Bágeiras, por exemplo, é, por si só, um programa de provas. São todos criadores vertiginosos, sempre a tentar novos caminhos enológicos, novas interpretações das castas e dos solos bairradinos.
O que impressiona, de resto, nos Baga Friends é a sua heterogeneidade. Entre um Baga feito por Dirk Niepoort e outro feito por François Chasans, da Quinta da Vacariça, por exemplo, vai uma distância enorme. Os tintos da Vacariça são quase impenetráveis em novos, de tão negros e tânicos, enquanto os Baga da Quinta de Baixo, da Niepoort, são abertos de cor, elegantes e aparentemente ligeiros. Os tintos do Bussaco também não se assemelham com nada, até porque são feitos com uvas da Bairrada e do Dão. Os das Bágeiras, clássicos e muito pessoais, diferem igualmente dos tintos da família Pato, muito tributários das especificidades de cada vinha, em particular do tipo de solo em que se alimentam as raízes das videiras. E os Sidónio de Sousa também têm a sua marca pessoal, que assenta numa acidez pungente.
É, em resumo, um grupo que se complementa e que, de alguma maneira, reflecte o grande potencial da Bairrada e até o estado da arte da região. Através dos vinhos dos Baga Friends é possível ficar com uma ideia do que é e do que pode ser a Bairrada, que é possível ser moderno e clássico ao mesmo tempo e que não há um só caminho para se conseguir obter o melhor de uma vinha. É tudo uma questão de gosto e de filosofia de trabalho. Daí que não se possa crucificar Dirk Niepoort por estar a fazer tintos de Baga aparentemente ligeiros, vale a pena repetir, nem acusar aqueles que insistem em tintos de cariz mais clássico de serem atávicos por não acompanharem as tendências actuais. Ir atrás das modas nunca deu bons resultados, como se sabe.
O que se segue é uma selecção de seis vinhos que foram directos ao coração de entre os muitos que se provaram neste evento dos Baga Friends. Podem não ser os melhores de cada um dos produtores, mas representam bem o que de bom cada um deles faz.
Sidónio de Sousa Garrafeira Tinto 2011
A família Sidónio de Sousa já tem três gerações ligadas ao vinho, mas só começou a engarrafar em nome próprio em 1990. O seu primeiro garrafeira, feito só de Baga, é de 1995 e é um dos grandes vinhos da história mais recente da Bairrada. O último a chegar ao mercado foi o 2009, também magnífico. Isto já diz tudo sobre a filosofia da casa. Até serem comercializados, os Baga Sidónio de Sousa afinam durante anos na penumbra da adega. O próximo a sair será o 2011 e promete fazer também história. É um tinto com a marca da casa: taninos poderosos, acidez vibrante e enorme complexidade. É enorme em tudo mas sem ser excessivo em nada - algo que distingue os grandes vinhos. Aromas muitos químicos e balsâmicos mas ainda com muita fruta preta, sabor amplo e cheio de frescura. Um vinho que nos agarra logo à primeira. Fantástico.
Quinta das Bágeiras Garrafeira Branco 2015
Da Quinta das Bágeiras podíamos eleger o novo espumante rosé, feito de Baga, de 2011, com curtimenta em lagar, um vinho complexo que exige mesa, ou alguns dos seus fabulosos tintos garrafeira. Mas o também novo Quinta das Bágeiras Garrafeira Branco 2015 é um vinho de outro nível e que merece ser conhecido, até porque é o primeiro branco da casa com origem numa vinha de solo calcário. Lote de Bical e Maria Gomes, é um branco maduro, gordo e rugoso, de grande complexidade e em que a calidez fosforada do calcário, bem sopesada pela frescura bairradina, acrescenta aos aromas frutados uma outra dimensão sensorial. Um branco para beber de joelhos daqui a alguns anos.
Vacariça Baga 2012
Quem provar agora o Quinta da Vacariça 2008, o primeiro Baga de François Chasans, vai perceber de que massa são feitos estes vinhos. Já tem nove anos, mas parece ter dois ou três, tal é a sua rusticidade tânica. São vinhos para comer e durar uma eternidade. O 2011 Tonel 23 segue na mesma linha do 2008. Mas, em 2012, Chasans fez algo completamente diferente, porque as uvas (criadas no modo biodinâmico) assim o obrigaram. O produtor achou que o vinho não tinha estrutura para ser Quinta da Vacariça, daí ser só Vacariça, e é o mais elegante e fresco de todos os tintos que já fez. Pode não ter o poder do 2008 ou do 2011 Tonel 23, mas, nesta fase, é o mais exaltante de todos, pela sua extraordinária frescura e elegância.
Luís Pato Vinhas Velhas Branco 1995
Um dia, a Bairrada vai ter que fazer uma grande homenagem a Luís Pato, apesar de, pelo seu feitio um pouco difícil, não ser uma personalidade consensual. Poucos fizeram tanto pela imagem dos vinhos da região como ele nos últimos 30 anos. Os seus tintos Pé Franco Quinta do Ribeiro, Vinha Barrosa e Vinha Pan são do melhor que se faz na Bairrada e no país. Mas alguns dos seus brancos também são antológicos. E alguns já provaram ter uma vida longa, como é o caso do Luís Pato Vinhas Velhas 1995 (Bical, Maria Gomes e Cerceal). Já revela bastante evolução, mas é uma evolução boa, complexa, dominada por notas mais químicas, mais subtis, que sobrevivem à volatização dos aromas. É um vinho que parece ganhar vida no copo, alimentado por uma acidez vibrante que vivifica todo o conjunto. Excelente.
Buçaco Tinto Reservado 1983
O Hotel Palace do Buçaco funciona desde 1907 como hotel de luxo e também como adega de um dos vinhos portugueses mais originais e cobiçados. Nas caves do hotel e de mais alguns edifícios repousam hoje cerca de 200 mil garrafas, entre tintos (cerca de 120 mil) e brancos (80 mil) feitos com uvas da Bairrada e do Dão. No jantar comemorativo do centenário dos hotéis Alexandre Almeida que se realizou no passado dia 31 de Agosto no Buçaco provaram-se alguns vinhos dessa imensa colecção. Não os mais antigos, que remontam à década de 40 do século passado, mas, ainda assim, um já com 34 anos, o Buçaco Tinto Reservado 1983. “Reservado” porque era um vinho reservado para o hotel. Há Buçaco melhores, mas não deixa de ser um grande tinto, ainda cheio de frescura e de vida pela frente.
Quinta de Baixo VV Branco
Desde que, em 2012, a Niepoort comprou a Quinta de baixo, Dirk Niepoort tem vindo a agitar a região, com propostas que colidem com os cânones tradicionais. A sua aposta em vinhos tintos mais bebíveis de imediato, com menos álcool e mais elegância, é ousada e nem toda a gente a compreende. Mas Dirk segue firme nas suas ideias, que, bem vistas as coisas, não são assim tão radicais como parecem. Os novos vinhos da Quinta de Baixo estão mais próximos dos vinhos de antigamente da Bairrada do que se possa pensar. No que Dirk está a ser realmente diferente é na forma como cultiva as vinhas, seguindo o programa da agricultura biodinâmica, com o objectivo de obter vinhos mais puros e autênticos. Vinhos como o extraordinário Quinta de Baixo VV 2015, combinação das castas Maria Gomes e Bical de vinhas de calcário centenárias. Um branco de uma leveza, elegância e frescura refinadas.
Nossa Calcário 2010
Filipa Pato e o marido, o sommelier belga William Wouters, estão cada vez mais juntos nos vinhos. Praticantes também de agricultura biodinâmica, foram dos primeiros a explorar nos rótulos a origem calcária dos seus brancos e tintos. O tinto Nossa é uma declaração de amor à Baga das vinhas de calcário. Em novos, os Nossa podem parecer um pouco angulosos de mais, mas com o tempo vão ganhando um refinamento magnífico. O 2010, por exemplo, está agora perfeito, revelando uma elegância pouco comum nos tintos de Baga e um frescor de bosque delicioso.