Governo insiste em projecto ferroviário chumbado duas vezes por Bruxelas
Projecto ferroviário de 675 milhões de euros para ligar Aveiro e Mangualde já foi duas vezes chumbado em Bruxelas. Mas o Governo vai voltar à carga.
A construção de uma linha Aveiro – Mangualde já foi duas vezes candidatada ao CEF (Connecting Europe Facility), tendo sido chumbada por a sua análise custo-benefício ser negativa. O projecto custa 675 milhões de euros (quase metade dos investimentos previstos no Ferrovia 2020) e deveria beneficiar de 405 milhões de fundos comunitários.
Mas o Governo vai tentar que à terceira seja de vez. “Não desistimos da linha nova Aveiro – Mangualde, já a candidatámos em sede CEF duas vezes e não foi aprovada, mas conto continuar a insistir junto de Bruxelas para a sua execução”, disse ao PÚBLICO o ministro das Infraestruturas e Planeamento, Pedro Marques, à margem do congresso da ADFERSIT (Associação Para o Desenvolvimento dos Sistemas Integrados de Transporte) que ontem se realizou em Lisboa.
Trata-se, porém, de um projecto controverso tendo em conta os investimentos já anunciados para a modernização da linha da Beira Alta - num valor próximo dos 600 milhões de euros - que visam reforçar a sua capacidade. Esta linha é o principal eixo por onde circulam os comboios de mercadorias de e para Espanha e resto da Europa.
Durante o congresso, Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal referiu que só 0,3% dos comboios de passageiros e 6% dos comboios de mercadorias que circulam na rede ferroviária portuguesa atravessam a fronteira e nem todos por esta linha. Perante tão fraca procura valerá a pena, então, criar uma linha paralela entre Aveiro e Mangualde?
“Essa linha potenciaria brutalmente a utilização do porto de Aveiro como espaço de exportação das nossas mercadorias”, disse Pedro Marques ao PÚBLICO, admitindo, contudo, que o investimento na modernização da Beira Alta é o mais importante e o mais prioritário. Por isso, admitiu, o projecto Aveiro – Mangualde deverá ser “revisitado” no próximo ciclo de investimentos para a década 20-30.
No encerramento do congresso, o governante recordou o programa de investimentos Ferrovia 2020 em curso, para o qual Portugal obteve 1200 milhões de euros de fundos comunitários. A electrificação da linha do Minho já está em curso, decorre o concurso público para reabrir o troço Covilhã – Guarda e até ao fim do ano serão lançados concursos para a linha Évora – Badajoz (a maior construída em Portugal nas últimas décadas) e para algumas obras na linha do Oeste.
Tudo isto a par de empreitadas em curso na linha do Norte que visam repôr a segurança e a fiabilidade da circulação ferroviária em troços que se encontram degradados. Trata-se de manutenção e não de investimento, embora estejam no mesmo pacote do Ferrovia 2020.
O ministro disse que “os planos para o actual ciclo estão traçados e estão em curso, mas estamos a começar a preparar os planos para um futuro mais alargado”. Referiu que as opções estratégicas para a próxima década têm de ser preparadas “e este é o tempo de o fazer”, até porque “a mobilidade na década de 20-30 será diferente e muitos são os desafios que se adivinham, desde logo o da mobilidade digital”.
O governante alertou que até agora planear a mobilidade implicava desenhar e programar infra-estruturas e serviços de transporte, mas que a partir de agora é necessário ter em conta novas dimensões como a informação digital e a revolução energética.
Sobre esta última, disse que importa reflectir em que medida as questões energéticas poderão deixar de ser argumento decisivo para as opções de favorecimento da ferrovia, tendo em conta que cada vez mais outros modos de transporte usam a energia eléctrica.
É que tracção eléctrica, enquanto energia mais limpa, tem sido apresentada como uma “bandeira” do modo ferroviário. Ainda assim, o ministro diz que “continuará a fazer sentido uma política de favorecimento do transporte colectivo e do caminho-de-ferro em Portugal”.
O congresso da ADFERSIT decorreu nos dias 13 e 14 na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, subordinado ao tema “Os desafios das novas gerações de transporte”. Reuniu pouco mais de uma centena de congressistas e caracterizou-se por debates mornos e consensuais. Um cenário que nada tem a ver com os congressos desta associação da década passada quando se discutia animadamente as linhas do TGV e se faziam riscos nos mapas para desenhar uma “rede ferroviária do futuro” que nunca se chegou a concretizar.