Afinal, quem irá construir o Museu de Língua Portuguesa?

A proposta vencedora foi anunciada em Abril. Cinco meses depois, todos os projectos foram revistos por suspeita de quebra de anonimato, não se sabendo ainda afinal quem é o vencedor. A Câmara de Bragança corre o risco de ficar sem financiamento para o museu.

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O Museu da Língua Portuguesa irá ser instalado nos antigos silos da EPAC, no centro da cidade Hugo Santos / Publico

Por esta altura já devia existir um vencedor para o concurso público internacional do Museu de Língua Portuguesa, em Bragança. Depois de apresentadas as reclamações relativas ao primeiro relatório final do concurso, que anunciava a vitória para o projecto da NewsMuseum, a Câmara de Bragança contratou um consultor jurídico para verificar se a suspeita de infracção da regra de anonimato era verdadeira. O parecer, concluído em Agosto, veio confirmar a reclamação feita pela proposta classificada em segundo lugar, o que resultou num segundo relatório final de concurso apresentado na passada segunda-feira em reunião de Câmara. Contudo, este novo relatório, que veio trazer o segundo classificado para primeiro lugar, também é alvo de uma reclamação, desta vez, por parte do projecto da NewsMuseum, que pede a sua anulação.

Luís Paixão Martins, porta-voz da equipa da NewsMuseum, afirma que “esta decisão não é válida”, alegando que o parecer “tem alguma graça” porque “é um texto corrido em que elimina propostas”, sem “invocar leis”. Numa reclamação entregue na terça-feira à Câmara, a NewsMuseum defende que “o caderno de encargos que define o que é confidencialidade foi cumprido”, e que a proposta de Joaquim Portela, que ficou em segundo lugar, apresenta os mesmos problemas que as outras. A da NewsMuseum foi acusada de ter elementos que permitiam a identificação dos autores.

“A proposta do concorrente Joaquim Portela Arquitectos contém diversos elementos que infringem o anonimato por se encontrarem logo pela referência da proposta - 70 - que corresponde, precisamente, ao número da porta do seu atelier, e na propriedade dos respectivos documentos”, pode ler-se na reclamação. Sobre isto, Joaquim Portela afirma que “todas as propostas contêm elementos escritos, imagens ou desenhos, que por esse prisma identificavam a proposta”. “O que não era permitido no concurso era assinar as propostas. Imagine que eu no meu texto tinha usado uma linguagem diferente. Isso não identifica a proposta. O que identifica é eu assinar com o meu nome”, explica o arquitecto que acredita que a infracção da outra equipa “foi um lapso”, reiterando que escolheram o número 70 como podiam ter escolhido “o 60, 40 ou 27”. “Era livre”, afirma.

Incluída ainda na carta de reclamação do NewsMuseum está a referência à violação de independência do júri e do princípio da imparcialidade. Luís Paixão Martins acusa a Câmara de Bragança de favoritismo pelo segundo classificado após a revelação das identidades dos concorrentes, referindo o contrato entre a Câmara e a Joaquim Portela Arquitectos, em Fevereiro deste ano, para a aquisição de serviços para curadoria e elaboração de elementos para a exposição “Proporção e Desígnio” de Eduardo Souto Moura. “Temos, de facto, contratos com a Câmara, mas não temos nenhuma posição privilegiada”, contrapõe Joaquim Portela, afirmando que não ganhou o concurso e que, caso “não houvesse uma irregularidade, as coisas já estavam decididas”.

Ao PÚBLICO, o Presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, não prestou qualquer declaração, remetendo o assunto para o parecer jurídico emitido por Fernando Vilela Ventura, ao qual o jornal não teve acesso.

A reclamação do primeiro relatório

O concurso foi lançado a Dezembro do ano passado e, até Março, 18 equipas prepararam as suas propostas. Após a submissão de candidaturas, sete foram imediatamente excluídas devido a atrasos ou falta de documentação. Restaram, portanto, 11 propostas na disputa pelo projecto de construção do museu. Elaborado a 20 de Abril, o (primeiro) relatório final continha detalhes do concurso, como a identificação dos membros do júri, os parâmetros de avaliação das candidaturas e a tabela final com classificação dos vencedores, que neste documento ainda estavam codificados, devido à regra de anonimato. Duas semanas depois, na reunião de Câmara de 8 de Maio, a identidade dos vencedores foi revelada: em primeiro lugar, a equipa da NewsMuseum, associada à Nextpower- Comunicação e à ARC, que para além da construção do museu, ganhava a quantia de 25 mil euros, em segundo, com 15 mil euros, a Joaquim Portela Arquitectos e, em terceiro, a Oficina Ideias em Linha- Arquitectura e Design, com 5 mil euros.

Nesse mesmo relatório podia ler-se o parâmetro que levaria à reclamação: “Abertas as propostas, cada uma delas ficou automaticamente codificada e constatou-se que em nenhum dos documentos que as integravam, era permitida de qualquer forma ou modo determinar a identidade do respectivo autor”.

“Fizemos uma reclamação porque tínhamos esse direito”, explicou ao PÚBLICO Joaquim Portela, afirmando que tanto a proposta da NewsMuseum, como outras, tinham elementos identificativos nas propriedades do ficheiro. Apontando este incumprimento do regulamento do concurso como uma “realidade incontornável”, o arquitecto afirma não saber se os membros do júri viram a identificação dos concorrentes, mas atesta que as propostas não eram anónimas.

Confrontada com esta reclamação, a Câmara de Bragança contratou Fernando Vilela Ventura como consultor jurídico. Depois do parecer emitido pelo advogado, o júri do concurso voltou a reunir, desclassificando assim a equipa vencedora, bem como mais 8 propostas, por quebra da regra de confidencialidade, tendo também sido aprovado em reunião de Câmara a anulação do (primeiro) relatório final, bem como a consequente construção de um segundo relatório.

Na passada segunda-feira o (segundo) relatório final foi apresentado, classificando agora a Joaquim Portela Arquitectos como vencedora e desqualificando 13 dos 18 concorrentes iniciais, nove deles por quebra de anonimato.

Reprogramar o projecto para não perder financiamento

Depois de notificada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), a Câmara de Bragança vai ter de reprogramar o projecto do museu, de forma a não perder o financiamento comunitário de 6,5 milhões de euros.

“Os beneficiários são notificados pela CCDR-N, autoridade de gestão do programa, para submeterem o primeiro pedido de pagamento ou se pronunciarem sobre os motivos que justificam a não submissão", explica à Lusa fonte da comissão, acrescentando que o pedido deveria ter sido feito seis meses depois da assinatura do termo de aceitação do investimento. Como tal não aconteceu, a Câmara tem de apresentar uma reformulação do projecto inicial, para que, dessa forma, não perca as verbas comunitárias.

O caso do Museu da Língua Portuguesa não é único. À Lusa, João Ortega afirma que ocorre a mesma situação noutro concurso lançado pelo município para o espaço envolvente do Jardim Doutor António José de Almeida, projecto ao qual o arquitecto concorreu e no qual poderá ficar em primeiro, se dois concorrentes forem desqualificados por alegada violação do anonimato. Caso a Câmara não corrija a situação, João Ortega ameaça levar este caso ao Ministério Público.

Texto editado por Ana Fernandes

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