O orçamento de todos os perigos
Quando vemos o primeiro-ministro a aplaudir autarcas que prometem aeroportos no quintal, há boas razões para temer o pior.
Sabemos que o delírio começa a atingir níveis preocupantes quando o candidato do PS à Câmara de Coimbra decide anunciar, como medida emblemática do seu próximo mandato, a transformação do aeródromo da cidade num novo aeroporto internacional. Note-se que Manuel Machado não apresentou tal ideia em Casal da Misarela, depois de um roteiro copofónico pelas freguesias circundantes e a ingestão de um par de garrafas de licor Beirão. Nada disso: apresentou-a muito sobriamente em cerimónia pomposa, com um sorridente António Costa a seu lado. E fez mais. Disse que queria o aeroporto e adiantou a fórmula para a sua construção, segundo o Notícias de Coimbra: “Queremos reproduzir no futuro Aeroporto Internacional de Coimbra o mesmo modelo que colocámos em prática na reabilitação das margens do Mondego: a câmara assume, a câmara faz, a câmara lidera — e o Governo apoia.” Só se esqueceu de acrescentar: e, no fim, o contribuinte paga.
Esta ideia estapafúrdia de construir um aeroporto internacional em Coimbra, que talvez possa ser ligeiramente mais rentável do que o aeroporto de Beja, mostra bem os perigos que se perfilam no horizonte. Tudo aponta para o regresso, a muito curto prazo, do despesismo irracional, à boleia das autárquicas de 2017, das legislativas de 2019, da pressão da extrema-esquerda para a aprovação do OE 2018 e de um crescimento a rondar os 3% que, em vez de ser aproveitado para abater na dívida, é estoirado no costumeiro regabofe das vacas gordas. Mal se vislumbra uma folga no orçamento, os autarcas começam a sonhar com quilómetros de betão e a extrema-esquerda a exigir descongelamentos de carreiras, aumentos de salários e o alargamento dos quadros da função pública.
Eis como as boas notícias são, na verdade, péssimas notícias. Aquilo que se tem visto até agora é um aumento da despesa permanente (salários e pensões), compensado com cortes nas despesas pontuais (as famosas cativações). Como é fácil de ver, esta é uma opção muito arriscada, e que tende a agravar-se: os cortes intermédios são impossíveis de perpetuar sem uma queda abrupta na qualidade dos serviços do Estado, e se vier nova crise o Tribunal Constitucional vai andar a vetar cortes de funcionários públicos, salários e pensões — que, entretanto, subiram, limitando ainda mais a margem de manobra de um futuro governo.
Mas se António Costa anda há dois anos a enganar-nos com a patranha da “viragem da página da austeridade”, essa grande mentira teve, pelo menos, uma indesmentível vantagem: provar a toda a gente que a medicação keynesiana não é obrigatória para o crescimento económico. Mesmo com cortes gigantescos no investimento público e com o torniquete das cativações, o país lá foi crescendo. Cresceu de forma bem menos espectacular do que para aí se diz — o PIB ainda nem sequer atingiu os níveis pré-crise —, mas cresceu o suficiente para o Governo poder vir a ser vítima do seu próprio sucesso. Se durante dois anos o papão de Bruxelas ainda assustou um bocadinho e manteve Bloco e PCP a rosnar baixo, a partir do OE 2018 nada indica que o Governo continue a contar com o apoio da extrema-esquerda sem fazer disparar a despesa do Estado. Aquilo que António Costa e Mário Centeno realmente valem vai ser posto à prova nos próximos meses. Um orçamento eleitoralista seria de uma irresponsabilidade criminosa. Mas quando vemos o primeiro-ministro a aplaudir autarcas que prometem aeroportos no quintal, há boas razões para temer o pior.