Um filme sem zonas de risco
Una — negra sedução, um filme sobre o rasto de um abuso sexual na adolescência que apenas acerta na escolha da heroína.
A estreia na realização do dramaturgo Benedict Andrews vem cheia de “temas”, e temas “difíceis”: o rasto psicológico deixado na idade adulta por situações de abuso sexual na adolescência, o modo como o perpetrador lida com a sua culpa, a espécie de estranha “ligação” entre quem abusa e quem é abusado. Este é o pressuposto narrativo de Una, que relata o encontro entre a personagem de Rooney Mara, muitos anos depois, com o homem, Ben Mendelsohn, que sexualmente a usou na adolescência.
O labirinto emocional, mas também moral, lançado pela narrativa, precisava de outro desenvolvimento, e sobretudo de outra expressão, que ultrapassasse a sua dependência dos diálogos explicativos e da sisudez sombria que as personagens envergam (Rooney Mara, com a sua allure de heroína de melodrama malsão dos forties ou dos fifties, até cai que nem ginjas no papel, mas essa escolha de elenco deve ser a única coisa que o filme de Andrews acerta em pleno).
Demasiado consciente dos interditos que convoca, ou demasiado cauteloso com eles, Andrews joga pelo seguro, põe o enfoque na “perturbação” mas nunca mergulha verdadeiramente no irracional ou no compulsivo, nunca entra em zonas onde de facto haja risco. Sai um filme tão controlado como auto-aniquilatório (e autojustificativo), que a mise en scène certinha e telefilmesca de Andrews em nada ajuda. Parece o típico filme para sessões com debate no fim, onde se esquece o filme e se fica com o “tema”.